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Era eu um menino quando passei a conhecer o Irineu, a meninada do "Papouco" e sua periferia. Irineu era um pretão alto, corpulento, de olhos miúdos e pés enormes que não havia na cidade sapatos que os calçasse. Seu andar cambaleante e meio cambota, e seu sorriso sardônico emoldurava um vozeirão molhado. Transmitia às crianças da minha idade mais que respeito, um certo medo. Essa imagem de Irineu a tenho dos tempos em que aos sábados vinha o corpulento negro à cidade fazer feira e demorava-se em conversas na taberna do Joviniano no Papouco ou na esquina do mercado velho da Praça da Bandeira, em prosas com meu pai e outros amigos da época. Passou o tempo. Adolescente, já não nos assaltava o medo do pretão Irineu. Entretanto, um mistério envolvia o seu nome que, de quando em quando, chegava aos ouvidos da cidade e se multiplicava pela língua do povo como uma espécie de feiticeiro que congregou e chefiava uma comunidade de negros no Acre e esses poucos, em um certo momento, mesmo em um número reduzido, gravitavam como satélite em torno de Irineu e passaram a morar em pequenas posses aí localizadas, nas proximidades do Igarapé-Fundo.
O fato curioso, entretanto, que tornou na cidade conhecido e comentado esse núcleo de pessoas de pele escura em sua grande maioria, era o uso ritualizado de uma bebida elaborada a partir de um certo cipó da mata, que passou a ser conhecido na linguagem popular como "oasca" (corruptela de ayahuasca – palavra indígena).
De início, o grupo era pequeno e o uso da bebida era restrito. Com o passar dos anos a notícia de efeitos extraordinários da "oasca" passou a ser do domínio público e outras pessoas, que não pretos, passaram a freqüentar as sessões de ingestão coletiva do chá preparado pelo Mestre Irineu, buscando nessa prática uma resposta para suas aflições ou mesmo a cura de seus males físicos ou psíquicos.
O uso civilizado regular, metodizado e com ritos de plantas alucinógenas do domínio dos silvícolas da Amazônia, tem seu pioneirismo, portanto, no Acre e através de Mestre Irineu, um maranhense filho de escravos que talvez em vida sequer tenha se apercebido da importância de suas ações no manejo do aprendizado com os índios peruanos.
É que, com o acaso das descobertas, em determinado momento de sua vida, Irineu, ao filiar-se ao Círculo Esotérico da Comunhão do Pensamento e ao passar a educar-se nos exercícios de yoga para concentração da mente, há de ter se apercebido que sob efeito da "oasca" atingia esse estágio muito mais facilmente, manejando as variações de imagens com notável facilidade.
Mas o que marcou mesmo, ou melhor, oficializou o cidadão negro Raimundo Irineu Serra, "Mestre Irineu", conhecedor e senhor de uma nova forma de congregação fraternal do ser humano através de um ritual balizado pela ingestão de bebida extraída de plantas silvícolas, foi uma violência sofrida: motivos religiosos, pseudo-éticos ou pseudo-morais, levaram Mestre Irineu e sua gente a serem denunciados como useiros de práticas insensatas e até diabólicas. Isso fez com que as autoridades de então interviessem na comunidade da "oasca". Foi acionado o Tenente Costa – com fama de crueldade e frieza – da Polícia Militar, para cercar, invadir e destruir ou desativar aquele culto que estaria a incomodar e pôr em risco as convicções sócio-religiosas então dominantes. Mestre Irineu e seus seguidores ofereceram resistência, obrigando as autoridades ao diálogo e à negociação. Do que parecia sair uma guerra resultou o entendimento através do comandante da corporação, Manoel Fontenele de Castro, e do governador, o major do Exército Guiomard dos Santos, interventor de então do Território, que autorizara o cerco. De potencial inimigo passou a amigo, freqüentador e protetor do Mestre Irineu. Mestre Irineu passou então a ser conhecido por todos na capital do Território Federal do Acre, Rio Branco, como chefe de uma seita cujos mistérios estão aí para serem decifrados pelos estudiosos modernos. Com o passar do tempo, o núcleo cresceu, agregaram-se ao Mestre alguns seguidores que hoje são líderes independentes de grupos autônomos, mas que adotam os mesmos princípios ritualísticos.
Foi acionado o Tenente Costa, com fama de crueldade e frieza, da Polícia Militar, para cercar, invadir e destruir ou desativar aquele culto que estaria a incomodar e pôr em risco as convicções sócio-religiosas então dominantes. Mestre Irineu e seus seguidores ofereceram resistência, obrigando as autoridades ao diálogo e à negociação. Do que parecia sair uma guerra, resultou o entendimento através do comandante da corporação, Major Fontenelle de Castro e do Governador, Major do Exército, Guiomard dos Santos, interventor do então território, que autorizava o cerco. De potencial inimigo passou a amigo, frequentador e protetor do Mestre Irineu.