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A DESTINAÇÃO ESPIRITUAL

 

Segundo relatos, Mestre Irineu foi um homem que valorizou muito a história de cada um. "Ele dizia que assim como ele foi destinado, cada um de nós também era, procurava sempre deixar claro que fazíamos parte de uma criação divina que veio se evoluindo através dos tempos", diz dona Percília Matos. "Um dia, acrescenta Júlio Carioca, ele me falou sobre o que estava cumprindo na terra e me disse que estamos aqui obedecendo a uma determinação do Pai, pagando ou dando continuidade a uma vida passada".

 

O Mestre procurava explicar a existência do que os Incas falaram anteriormente: O Plano Superior, que os hinários nos mostram como Plano Astral. Nesse plano, habitam os espíritos enviados à terra para cumprirem a vida de acordo o merecimento de cada um. É mais ou menos o que a doutrina kardecista explica como carma. Através desse pensamento, o Mestre mostrava a relação de intercâmbio existente entre o que caracterizamos como Plano Material e o Plano Astral, o que fica muito bem esclarecido, quando acompanhamos o desenvolvimento de sua vida.

 

O NASCIMENTO

 

Em 15 de dezembro de 1892, nascia em São Vicente de Férrer, no Maranhão, o menino que chamaria-se Raimundo Irineu Serra. Seus pais, Sanches Serra e Joana Assunção Serra, eram oriundos de família humilde, descendentes de escravos que viviam do trabalho de cultivo da terra.

 

"O Mestre realmente tinha descendência escrava. Tanto de pai quanto de mãe. Os avós dele foram escravos, vieram para o Brasil e se situaram no município de São Vicente de Férrer, estado do Maranhão", relata o sr. João Rodrigues (Nica). Irineu Serra era o primogênito da família que formou-se ainda dos irmãos: Dico, Verônica, Maria e Nhá Dica, a caçula.

 

"Ali prevalecia o catolicismo. Havia uma igreja dominicana de grossas paredes pintadas em branco, mas que vista de perto, pareciam ondular de furta cor, tamanha a arte de seus construtores que ergueram-na, certamente, para as famílias dos fazendeiros senhores de escravos - à revelia dos pobres pretos importados da África". (Eduardo Beyer)

 

O jovem Irineu Serra foi o único da família a seguir os traços africanos, tanto fisicamente, quanto na preservação de alguns costumes da raça. "Uma briga de rapazes num tambor-de-criolo fez com que Raimundo Irineu Serra deixasse a terra onde nasceu e ganhasse o mundo em direção a São Luiz, a capital. Quando foi dez, onze horas da noite, pegaram um barulho aÍ começaram a brigar, botaram todo mundo para correr e inventaram de pegar um facão e cortar tudo quanto era punho de rede do dono da casa, derrubaram porta e tudo. Ele foi para essa festa, mas nessa época os filhos que não tinham pai eram criados pelos tios (maternos). O Irineu foi fugido da mãe dele combinado com Cassimiro, primo dele que era do mesmo tamanho". (Beyer)

 

Essa índole forte de Irineu Serra foi confirmado por ele próprio mais tarde. Disse ao sr. Júlio Carioca, "que todas as vezes que praticava uma danação ou malcriação com os mais velhos, quando ia dormir, era duramente castigado por uma senhora em sonho, que o castigava em um local tipo um paio de arroz, até se redimir dos pecados que cometera", certamente já era a auto doutrinação de quem veio à terra pré-destinado, como afirmam os ensinamentos recebidos por um de seus maiores seguidores, o sr. Antônio Gomes da Silva: "Desde o seu nascimento, que ele trouxe o seu valor".

 

Uma outra versão, relatada por seguidores como o sr. Luiz Mendes do Nascimento, fala da saída de Irineu Serra de sua terra natal devido a um prematuro casamento que ele estava prestes a realizar com uma prima sua. Nesta versão, seu tio Paulo teve fundamental importância em sua vinda para a Amazônia. Teria sido dele a recomendação para Irineu Serra dar uma volta ao mundo antes de pensar em casar-se. "Sabe Raimundo, o homem para se casar deve primeiro dar uma volta ao mundo. Quando voltar sabe quanto custa 1 Kg de sal, 1 Kg de açúcar, já sabe quanto custa uma anágua para mulher. Aí dá para o homem casar" relata o sr. Francisco Grangeiro.

 

"Foi então que no dia seguinte ele viu um navio alistando gente para vir para o Amazonas" acrescentou o sr. Francisco Grangeiro. Irineu Serra deixava, portanto, sua terra natal aos vinte anos de idade, deixando sua família e toda a tradição da cidade onde morava, aonde eram fluentes os festejos com as procissões do senhor Morto na Sexta-feira Santa, e a de São Vicente de Férrer, padroeiro do município, que tinha festa celebrada sempre em luar de verão. Paulo Serra e Raimunda Castro Serra, seus tios por parte de pai, também eram seus padrinhos. Irineu Serra nesta época trabalhava com gado e ganhava 500 réis, dinheiro que utilizou na viagem de vinda para São Luís.

 

De lá, em 1912, Irineu Serra foi de navio até Belém do Pará, onde trabalhou como jardineiro para conseguir dinheiro e seguir viagem até Manaus. Na capital amazônica, juntou-se a um grupo de nordestinos que vinham para o Acre, território que sofria forte migração nordestina, impulsionada pela forte seca que castigava o nordeste deste 1877, além da crescente exploração da borracha.

 

Essa trajetória ele também narra em seu hinário Cruzeiro quando diz: Equiôr, Equiôr, Equiôr, Equiôr que me chamaram, eu vim beirando a terra, eu vim beirando o mar.

 

Em 1912, quando pisou pela primeira vez nos solos acreanos, seu objetivo passou ser o encontro com seus conterrâneos e primos: Antônio Costa e André Costa, de quem tinha notícia estarem no Acre. No território, surgiram naquele momento as primeiras mudanças sociais. Eram instaladas as primeiras estruturas administrativas e formadas as classes de servidores públicos de nível médio.

 

As dificuldades eram grandes e ofereciam aos imigrantes uma vida quase errante, onde a luta pela sobrevivência era o que determinava a atividade do momento. De Rio Branco ele segue viagem para Brasiléia (naquela época chamada Brasília), onde tinha notícias de estarem conterrâneos seus, os irmãos Antônio Costa e André Costa. Neste ano, em sua passagem por Brasiléia, Irineu Serra foi visto por Germano Guilherme, que mais tarde seria o primeiro seguidor da missão ainda desconhecida pelo jovem maranhense. Irineu Serra chamava atenção por onde passava, pelo seu porte físico e sua altura de 1,98 m.

 

Sua caminhada inicial já atingia os seringais do Peru, onde reencontrou seus conterrâneos Antônio Costa e André Costa. Não há relatos que testemunhem mais detalhadamente como aconteceu esse reencontro, na verdade sabe-se que foi muito questionado: O que fazia Irineu Serra tão longe de sua terra natal?

 

A resposta veio com o rápido contato com a bebida que nessa época era conhecida como ayahuasca. "Ficaram morando juntos. Antônio Costa não era seringueiro. Explorava um negócio de regatão, comprava e vendia borracha. Ele lhe deu a notícia sobre caboclos do Peru que bebiam ayahuasca" relata o sr. Luiz Mendes. "E foi Antônio Costa que lhe deu a ayahuasca, ele e o irmão convidaram o Mestre para tomar", acrescentou o sr. Francisco Grangeiro. "O Mestre foi convidado por Antônio Costa a conhecer um caboclo de nome Pisango, que era um caboclo peruano, descendente dos Incas. Era Pisango, por assim dizer, um caboclo que sabia aonde as andorinhas moravam", também afirma o sr. João Rodrigues (Nica). Ao receber o convite para conhecer a bebida, segundo relatos, o Mestre disse: "Eu vou, se for uma coisa boa eu levo para o meu país".

 

Nesta época, a bebida era utilizada para orientar os índios na caça e na pesca e para divertir os brancos nas noites de luar. Mas a bebida já exercia função de culto, como descreveu o sr. Valcírio Genésio, filho único do Mestre Irineu: "Eles se organizavam em malocas e cultuavam as beberagens da ayahuasca em seus rituais. Batiam tambores, dançavam em círculo, era uma grande festa".

 

Até esse momento, apenas duas raças conheciam o trabalho com a ayahuasca: o Índio e o Branco, através de Antônio Costa e André Costa. Com o conhecimento de Irineu Serra, que passou a tomar a bebida indígena, era formada a composição étnica das raças formadoras da população brasileira: o Índio, o branco e o negro. União de raças visíveis nos princípios da doutrina que seria formada.

 

Foi na terceira experiência de Irineu Serra com a ayahuasca que aconteceram os primeiros contatos com a espiritualidade: "Ele armou a rede de modo que a vista dava acesso à lua. Em uma noite clara, muito bonita, quando ele começou a mirar, olhou e veio a lua se aproximando até ficar bem perto dele. Ela perguntou para ele:


- Tu tens coragem de me chamar de Satanás? Irineu Serra respondeu:


- Ave Maria minha senhora, de jeito nenhum!


- Você acha que alguém já viu o que você está vendo agora? Aí ele vacilou pensando que estava vendo o que os outros já tinham visto. 


A Virgem então continuou falando:


- Você está enganado. O que estás vendo nunca ninguém viu. Só tu. Agora me diz o que achas que eu sou?


O Mestre respondeu:


- Vós sois uma Deusa Universal", relata o sr. Luiz Mendes.


"Nessa primeira miração essa senhora se apresentou identificada como Clara e pediu que ele cantasse o primeiro hino da Doutrina lhe apresentado naquele momento", relata dona Percília Matos.

 

"Deus te salve ó Lua Branca
Da Luz tão prateada
Tu sois minha protetora
De Deus tu sois estimada

 

Ó mãe divina, do coração
Lá nas alturas onde estás minha mãe
Lá no céu, dai-me o perdão

 

Das flores do meu país

Tu sois a mais delicada
De todo o meu coração
Tu sois de Deus estimada

 

Tu sois a flor mais bela

Aonde Deus pôs a mão
Tu sois minha advogada
Ó virgem da Conceição

 

Estrela do Universo
Que me parece um jardim
Assim como sois brilhante
Quero que brilhes a mim

 

Era a abertura dos trabalhos espirituais para o jovem Irineu Serra. Naquele momento ele descobria que os objetivos da bebida iam muito mais além do que os simples efeitos com que era utilizada na região. Clara, que segundo relatos do Mestre Irineu, era a mesma senhora que o disciplinava em sonho, o submeteu a uma rigorosa dieta: "muito bem, agora tu vais se submeter a uma dieta para receber o que eu tenho para te dar, vai passar sete dias se alimentando apenas de macaxeira insossa e chá, sem o direito sequer de ver um rabo de saia (ditado popular que quer dizer: não manter nenhum tipo de relação com mulheres)", relata o sr. Francisco Grangeiro. Irineu Serra comentou o que havia se submetido ao primo Antônio Costa e se embrenhou ainda mais nas matas dos seringais peruanos para cumprir o que havia sido determinado.

 

Ele próprio relatou em palestras com seus seguidores que no terceiro dia de dieta já ouvia vozes e tinha visões do além e imagens de caboclos na mata. No sétimo dia lhe foi relevada a missão ao qual está pré-destinado:

 

"Clara, agora através da Rainha da Floresta, disse que tinha algo a lhe entregar. O Mestre respondeu que se fosse algo para o engrandecimento de seu país, ele aceitava. E assim, lhe foi revelada a Missão Juramidã. Ele pediu para que lhe fizesse um dos melhores curadores do mundo. Ela respondeu que ele não podia ganhar dinheiro com aquilo. Ele pediu que ela associasse tudo que tivesse a ver com cura nessa bebida. Ele recebeu e aí foi trabalhar para ir adquirindo. Se aperfeiçoando, recebendo cada dia poderes que é preciso ter", relata o sr. Luiz Mendes.

 

Essa passagem também é explicada pelo sr. Sebastião Jaccoud:


"Sua própria vinda é ordenada pela Mãe Divina para a colheita do que ficou plantado lá atrás, reunindo o rebanho que ficou esfacelado na época de Jesus Cristo".

 

Afinal, não foi por acaso que o jovem Irineu Serra saiu de sua terra natal, deixando para trás sua família e todas as tradições da região, vindo até o reencontro com seus conterrâneos Antonio Costa e André Costa, conhecendo posteriormente a bebida ayahuasca. Seus sonhos com uma senhora que o disciplinava, a aparição de Clara que lhe entregara uma Missão, acreditamos que toda essa trajetória seguida pelo Mestre Irineu era pré-destinada. Sua vida tem seguimento com um processo de auto disciplina e evolução, o que caracterizamos como destinação material.

 

PRIMEIRO PERÍODO - DE 1912 A 1931

 

A DESTINAÇÃO MATERIAL - PROCESSOS DE AUTO DISCIPLINA E EVOLUÇÃO DO GRANDE Mestre

 

Agora Irineu Serra não estava mais leigo ao que a divindade havia lhe destinado. Começava uma nova fase baseada em um processo de auto disciplina e evolução no projeto divino em si desencadeado. Como sabia que agora a natureza seria sua eterna parceira de aprendizagem, o próximo passo era "conhecer o poder da floresta e Deus amar", como ele próprio explica em seu hinário.

Já adaptado na região, alinhava-se às leis da natureza, os segredos e as utilidades das plantas, seus efeitos curativos, enfim, era importante aprender tudo o que pudesse evoluí-lo dentro do projeto espiritual recebido. O temperamento forte do negro Irineu Serra abria espaço para a serenidade e o amor aos elementos sagrados: Sol, Lua, Estrela, a Terra, o Vento e o Mar. É a verdadeira alquimia revelada na ayahuasca.

 

Esse ciclo de grandes intensidades presume-se ter-se iniciado por volta de 1913, quando Irineu Serra afastou-se dos seus primos no Peru. Na curta convivência com os Índios da região e as mirações com Pizango, considerado "o espírito da ayahuasca", ele aprendeu a trabalhar com a confecção da ayahuasca e a identificar o cipó jagube (banisteriopsis caapi) e a folha chacrona (psychotria viridis) nas matas selvagens da Amazônia. Irineu Serra passou a observar sempre os ciclos lunares, que determinavam a estação certa para a colheita e o preparo do chá. Observamos a partir daí a parceria permanente de Irineu Serra com a natureza.

 

As regras que iam se criando naturalmente eram invioláveis. "Um dia, comentou Júlio Carioca, o Mestre me contou que tentou facilitar a batida do jagube usando um martelo. Me disse que foi duramente advertido pela Rainha, sentiu durante todo o dia fortes dores de cabeça, porque não era permitido pela Rainha a utilização de outros instrumentos de trabalho que não fossem naturais como a marreta feita de madeira. Hoje a gente vê até máquinas sendo usadas para triturar o cipó", comentou.

 

Em 1916, Irineu Serra voltava para Brasiléia. Neste município, conheceu a senhora Rosa Amorim, com quem tem seu único filho, o senhor Valcírio Genésio da Silva, em 20 de janeiro de 1917. "Naquela época tudo era muito difícil, até para se transportar de um lado para o outro tinha que ser nos chamados varejões. Quando eu nasci, em 20 de janeiro de 1917, meu pai trabalhava como seringueiro" relatou o sr. Valcírio Genésio. Segundo ele, da união de Irineu Serra com sua mãe, ainda nasceu uma menina que viveu apenas um ano e oito meses de idade. Em Brasiléia, que nesta época ainda chamava-se Brasília, Irineu Serra encontra novamente Antônio e André Costa. "Eram bons amigos e Antônio Costa foi escolhido pelo papai para ser meu padrinho", acrescentou Valcírio.

 

O PRIMEIRO CENTRO DA AYAHUASCA

 

Pesquisas realizadas pelo professor antropólogo Clodomir Monteiro da Universidade Federal do Acre - UFAC, registra nesse reencontro de Irineu Serra com seus conterrâneos, Antônio Costa e André Costa, a organização do primeiro centro da ayahuasca que se tem notícia. Instalado em Brasiléia, chamava-se Círculo de Regeneração e Fé - CFR, e teria sido fundado pelos irmãos Costa logo após a separação deles com Irineu Serra, que entre 1913 e 1916, teria passado também em Sena Madureira, outro município do estado do Acre.

 

Irineu Serra chegou a participar dos trabalhos organizados por Antônio Costa e André Costa, mas este teria saído da organização espiritual devido às perseguições que a ayahuasca já enfrentava naquela época. "Ele saiu devido a perseguição que era muito grande" relata dona Percilia Matos, referindo-se a policiais e chefes eclesiásticos do município de Brasiléia, que tinha como religião predominante o catolicismo. A saída de Irineu Serra da organização dos trabalhos ligados a ayahuasca neste centro culminou com sua separação de dona Rosa Amorim, que se deu "porque mamãe não concordava com a linha espiritual seguida por papai", relatou o sr. Valcírio Genésio. Tem-se notícias de que o centro foi fechado logo que Irineu Serra saiu.

 

O TRABALHO DE IRINEU SERRA NA COMISSÃO DE LIMITES

 

Por volta de 1918, Irineu Serra era selecionado para participar como encarregado do cofre onde eram guardados os objetos de valores dos oficiais da Comissão de Limites que demarcaria as fronteiras do então território do Acre com os países Peru e Bolívia. Era a sua volta às matas amazônicas e um novo ciclo de aprendizagem e evolução no seu processo de disciplina e conhecimentos dos segredos e mistérios das matas. Tudo parecia conspirar com sua pré-destinação. Agora ele ajudava na demarcação das fronteiras do Estado, que mais tarde seria conhecido no mundo inteiro através da missão que ele implantaria. Nos contatos que teve com as tribos indígenas da região, Irineu Serra aprendeu a falar Tupi-Guarani e aperfeiçoou seus conhecimentos com os segredos de cura. "O Mestre me falou muito dessa Comissão, pessoas sérias e dedicadas. Ele começou a trabalhar nesta comissão chegando a conquistar uma confiança tão grande, que se tornou o tesoureiro", relata o sr. Luiz Mendes.

 

SUA PASSAGEM PELA GUARDA TERRITORIAL

 

Em 1928, "ele serviu junto com Germano Guilherme na antiga Guarda Territorial, lá eles se juntaram e passaram a ser irmãos", conta dona Cecília Gomes, ex-esposa de Germano Guilherme. Após 14 anos, Germano Guilherme, que havia visto Irineu Serra pela primeira vez quando este passou por Brasiléia em 1912, voltava a se reencontrar com o maranhense, tornando-se com o passar dos tempos seu primeiro seguidor. Ele me disse que nas horas de folga da guarda, eles iam para dentro das matas tomar ayahuasca", acrescenta dona Cecília Gomes. "Em Rio Branco ele sentou praça na polícia. Durante um certo tempo foi soldado, com muito destaque foi promovido a cabo e logo depois deu baixa", relata o sr. Luiz Mendes.

 

Na verdade, a baixa na carreira de guarda era uma ordem de sua professora espiritual Clara, que naquele momento o chamava para o cumprimento de sua missão espiritual. Era hora de assumir o comando de um batalhão de patentes universais: O Batalhão da Rainha da Floresta.

 

SEGUNDO PERÍODO - DE 1931 À 1945

 

1931 - A IMPLANTAÇÃO DA DOUTRINA DO SANTO DAIME

 

O período é marcado pela fase de decadência do mercado da borracha na Amazônia, que perdia concorrência para a Malásia (cujo semente nativa foi levada do Brasil). Centenas de famílias nordestinas começavam a abandonar os seringais em busca de uma vida melhor na cidade. Rio Branco começava a sofrer a desorganização no processo de ocupação das terras urbanas.

 

Ao dar baixa na Guarda Territorial, Irineu Serra tentou morar em uma região invadida próximo da área reservada ao Quartel do Exército, conhecido na época como 4ª Companhia. Não obtendo êxitos, participou junto com um grupo de seringueiros da posse das terras do seringalista Barros, bem próximo do bairro atualmente chamado de Vila Ivonete em Rio Branco, como relata o sr. Luiz Mendes: "Por força de seus companheiros, arranjaram para ele uma colônia na Vila Ivonete. Parece que o Mestre foi um dos primeiros moradores". De imediato, ao tomar posse, Irineu Serra tratou de organizar seu lote de terras, procurando plantar e torná-la produtiva. Construiu uma casinha de barro, semelhante às de sua terra natal, passando a viver no local junto com os outros seringueiros.

 

É nessa região que após vinte anos de inteira adaptação, auto disciplina e o conhecimento com os profundos segredos da natureza, Irineu Serra passará a organizar e formar um grupo de trabalho espiritual, implantando a Doutrina do Daime. Sua primeira medida nesse sentido, foi nacionalizar o nome da bebida até então conhecida como ayahuasca para Daime. Daime que provém do verbo divino Dar. Dai-me força, dai-me amor, dai-me o pão do Criador. "Ele dizia que deveríamos pedir a quem pudesse nos dar, por isso colocou o nome dessa bebida de Daime, através dela, pedimos a Deus tudo quanto é bom para nós e nossos semelhantes", comenta o sr. Júlio Carioca.

 

1933 - A CHEGADA DOS PRIMEIROS SEGUIDORES

 

Em 1933 Irineu Serra começava a receber seus primeiros seguidores. Após Germano Guilherme, que já tomava Daime com Irineu Serra quando ambos serviram na Guarda Territorial, José das Neves, como ele próprio testemunhou, foi o segundo seguidor: "Foi no dia 26 de maio de 1931 que comecei este trabalho com ele". Fazendo uma junção de outros nomes que foram resgatados em nosso trabalho de pesquisa, é possível apresentarmos o seguinte quadro de seguidores que se apresentaram ao Mestre Irineu entre 1931 à 1945:

 

PRIMEIRA GERAÇÃO DE SEGUIDORES - DE 1931 À 1945

 

SEGUIDOR ANO DE APRESENTAÇÃO


Germano Guilherme 1928
José Francisco das Neves 26 de maio de 1931
João Pereira 1931 (data prevista)
Pedro Marques 1931 (data prevista)
Maria Damião 1931 (data prevista)
José Afrânio 1931 (data prevista)
José Capanga 1931 (data prevista)
Antônio Tordo 
Maria Franco 1932 (data prevista)
Dona Raimunda 1933
Francisco Martins 1933
Antônio Gomes 1938 (data prevista)
Maria Gomes 1938
Zulmira Gomes 1938
Sebastião Gonçalves 1938
Guilherme Gomes 1938

 

OBSERVAÇÃO: As datas previstas são apresentadas de acordo com o cruzamento de informações resgatadas junto aos seguidores mais antigos. As datas confirmadas estão atestadas através de fatos concretos.

 

Todos esses seguidores vieram para o Acre, certamente expulsos do nordeste pela forte seca que aflorava a região e atraídos pelo mercado da borracha. Com exceção de José das Neves, que era comerciante, os demais eram ex-seringueiros e agricultores, viviam do árduo trabalho com a terra.

 

Em 1933, após passar alguns anos sozinho, Irineu Serra casou-se com Dona Raimunda, uma senhora que, segundo testemunhos, tinha origens indígenas e passou a ser "a pessoa de confiança do Mestre, tudo que ele ensinou ela aprendeu", relata o sr. Francisco Grangeiro. Comenta-se, no entanto, que este casamento não teria sido aprovado pela professora espiritual de Irineu Serra, Clara. Segundo dona Percília Matos, "a Rainha não concordou com o casamento e sentenciou o Mestre a passar vinte anos de sofrimento", detalhou. Sabe-se que desde o princípio de sua convivência com dona Raimunda, Irineu Serra enfrentou problemas principalmente no relacionamento com sua sogra, dona Maria Franco.

 

PROCESSO DE ORGANIZAÇÃO ESPIRITUAL E SOCIAL

 

A convivência em grupo já existia desde os primeiros movimentos de organização para a ocupação das terras na região ainda hoje conhecida como Vila Ivonete. Irineu Serra começava a se destacar como líder entre os demais agricultores e suas famílias, com bases para iniciar a organização espiritual de seus trabalhos, a sistematização da doutrina Cristã-Daimista: sua liturgia (cerimônias e rituais) e as relações sociais inerentes e necessárias à missão (movimento de evangelização, busca e conversão da humanidade e o prêmio da saúde e bem estar).

 

SESSÕES DE CURA E CONCENTRAÇÃO

 

A primeira determinação nesse processo foi a instituição dos trabalhos de concentração e cura, primeiros rituais implantados na formação doutrinária de Irineu Serra. Às quartas-feiras, o grupo se reunia com o objetivo de cura, sempre que algum irmão necessitava de uma assistência espiritual para a cura de enfermidades ou doenças, todos reunidos, em trabalho de concentração de uma hora e meia, buscavam na luz do Daime, a cura para o necessitado. Aos sábados a irmandade se reunia para o trabalho de concentração simples, com ritual semelhante, uma hora e meia de concentração a benefício de cada um, individualmente; e de todos, coletivamente. "Ele recomendava em suas palestras que nós rogássemos também pela humanidade, afastar esses terrores e rebeldias que estamos acostumados a ver", relata dona Percilia Matos.

 

Sentados ao redor de uma mesa, em forma de quadrilátero, a Cruz de Caravaca - primeiro símbolo da doutrina que já fazia parte do ritual - era colocada ao centro da mesa presidida pelo líder Irineu Serra. Os primeiros trabalhos espirituais "eram realizados na casa do Mestre, aquele grupinho, então ele ficou dando assistência para a gente", volta a relembrar dona Percilia Matos. Procurando sempre estar reunido com seus seguidores, esse princípio foi difícil. Além de algumas dificuldades financeiras, Irineu Serra enfrentava perseguições na implantação de sua doutrina. A exemplo do que aconteceu com o Centro de Regeneração e Fé, criado em Brasiléia, em 1917, a distribuição do Santo Daime enfrentava o preconceito social e religioso. "Nessa época era pouquinha gente, muito perseguido pela Justiça. Era aquele sacrifício. Mas tudo a gente venceu e hoje vivemos numa situação favorável", disse dona Cecília Gomes. As dificuldades financeiras eram socorridas entre a irmandade, especialmente o sr. José das Neves, "eles repartiam feiras, José das Neves tornou-se seu grande amigo desde ai", acrescenta dona Percília Matos.

 

A palavra nesse princípio era portanto o grande instrumento educador. "Ele dava muitas palestras, conversava, aconselhava a gente e dizia como ele queria que fosse o trabalho que a Virgem ensinava para ele", comenta dona Maria Gomes. "O nosso trabalho começou como uma aula. Ajunta quatro, cinco meninos, faz uma sala de aula e vai ensinando e vai chegando mais crianças. Chegam os ensinos a cada dia que passa, o professor vai indicando como é, o aluno vai aprendendo a carta do abc", relatou o sr. José das Neves.

 

A SOCIALIZAÇÃO ESPIRITUALIZADA

 

Por outro lado, os plantios e as colheitas iam enriquecendo e valorizando ainda mais a convivência em grupo, que passava a ser organizada pelo líder Irineu Serra. "Ele tornou-se o primeiro líder comunitário que teve em Rio Branco. Lá ele era tudo, era médico, advogado, fazia casamento, enfim, era a quem recorríamos em todos os instantes de alegria e tristeza", disse dona Percilia Matos. Homens e mulheres passavam a se reunir na força do trabalho. O arroz, o milho, o feijão, a mandioca foram produtos que logo passaram a ser consumidos pelo grupo, que tornou-se auto sustentável. Começava a se estabelecer em sua linha de trabalho uma forma de cooperativa adjunta.

 

Ao mesmo tempo em que produziam para sua sobrevivência material, o grupo evoluía espiritualmente. Os trabalhos nas quartas e sábados eram imprescindíveis. As curas e os benefícios de saúde realizados na doutrina tornavam o nome de Irineu Serra cada vez mais conhecido em Rio Branco. Embora ainda não existisse um fardamento padronizado, nas vestimentas dos seguidores o branco já era uma das cores predominantes, talvez até pela forte influência de cultura nordestina.

 

1934 - A PRIMEIRA FORMAÇÃO DE COMANDO E O RECEBIMENTO DOS PRIMEIROS HINOS DA DOUTRINA DO SANTO DAIME

 

Com o crescimento do número de adeptos em seus trabalhos, era preciso dar os primeiros passos no ordenamento do grupo. O líder ordenou, portanto, a primeira formação de comando: os mais antigos assumiam as primeiras posições nas fileiras compostas seqüencialmente pela ordem de chegada na sessão. Presidida por Irineu Serra, depois dele, no lado dos homens, vinham: Germano Guilherme e José das Neves, João Pereira e outros que iniciavam a formação das fileiras do lado masculino. Na ala feminina, dona Raimunda, esposa do Mestre, e dona Percilia Matos, eram quem encabeçavam a formação das fileiras, seguidas de Maria Damião, Maria Franco, Maria Gomes e outras. Automaticamente, surgiam também as primeiras divisões hierárquicas no trabalho: o comandante masculino Irineu Serra, e o feminino dona Raimunda.

 

No mesmo ano surgiu o recebimento dos primeiros hinos recebidos pelos seguidores. "Em 34 tinha Lua Branca, Tuperci e Ripi, nesse tempo não tinha farda", relembra dona Percilia Matos. Embora tivesse esses hinos, "na verdade foi Germano Guilherme quem primeiro recebeu e cantou seu hino na doutrina, daí o porque de seu hinário ser executado antes do hinário do Mestre Irineu até hoje", relata dona Cecília Gomes (ex-esposa de Germano Guilherme). Neste ano, portanto, foi apresentado o primeiro hino cantado na doutrina, pelo seguidor Germano Guilherme:

 

"Divino Pai Eterno
O seu mundo veio e formou
E habitou, e habitou
Com toda a criação

Com toda a criação
Com o vosso amor
Deixou e levou
E tão distante ficou
Olhando a sua criação

Com o vosso brilho do amor
Com o vosso brilho
Com o vosso brilho do amor"

 

Este hino firmava mais que nunca a criação universal destinada a Irineu Serra, que começava a formação do seu mundo, a verbalização do caráter sagrado que o mesmo desejava implantar através de sua doutrina. Após a apresentação do hino de Germano Guilherme, Irineu Serra apresentava à irmandade, vinte e dois anos depois, o hino que fora recebido por ele, em 1912, no Peru: Lua Branca. A música e a letra continuavam viva em sua memória, numa comprovação divina do poder e do valor da doutrina que passava a ser implantada. "Foi quando ficamos conhecendo o seu hino, Lua Branca, que ele tinha recebido no Peru quando a Virgem lhe entregou a Missão", comenta dona Percilia.

 

OS PRIMEIROS HINOS

 

Seus primeiros hinos invocam a presença de seres como a Virgem da Conceição, Jesus Cristo e Deus Onipotente, apresentando as relações de seus trabalhos com a natureza e os seres de origens indígenas e talvez africanas: Tuperci, Jaci, Ripi laiá, Formosa, Tarumim, Equiôr, Papai Paxá, Barum, Marum, Begê e Princesa Soloína. Percebemos naturalmente a narração de sua história nos cânticos de seu hinário. Os seres indígenas, anteriormente citados, revelavam a experiência vivida por Irineu Serra no período de adaptação e evolução a que nos referimos anteriormente, onde o líder aprendeu a conviver com os segredos e mistérios da natureza, trabalhando com as plantas e aprendendo seus efeitos curativos, dando seqüência a partir daí ao seu aprendizado divinal. Depois, vamos observar ainda com referência ao seu hinário, sua invocação aos seres dominadores do universo: o sol, a lua, as estrelas, a terra, o vento e o mar, que são revelados na verbalização de seus hinos, como elementos sagrados do amor eterno:

 

"Eu quero ser
Filho do meu Pai
Da minha mãe com os meus irmãos
Que me acompanham amar a Ele
De todo o meu coração
Seguindo nessa estrada
Com a verdade na mão

 

O amor eterno
Eu devo consagrar
A lua e as estrelas
A terra e o mar
O sol lá nas alturas
Com sua luz de cristal"

 

Era a abertura de uma linha de comunicação entre o material e o espiritual. Os hinos passavam a ser um fio condutor dos trabalhos, um verbo vivo da palavra divina recebida através do homem em contato com o plano astral. Tornavam-se também, além de condutores da palavra de Cristo, um adjetivo disciplinador, estimulativo e educador da memória e do pensamento humano, uma fonte inesgotável de conhecimentos e aprofundamentos dos segredos e mistérios da natureza.

 

OS HINÁRIOS

 

Mais tarde, em 1935, quando João Pereira e Maria Damião também passaram a receber seus primeiros hinos, a Rainha ordena a Irineu Serra estabelecer um novo ritual: a execução dos Hinários - ritual que tem como base os cânticos e louvores aos Seres Divinos da Sagrada Missão. Hinários são mensagens recebidas em verso do plano astral, a liturgia da doutrina do Santo Daime formada por um conjunto de hinos. Os primeiros hinários a se formarem de 1936 a 1947, foram:

 

O CRUZEIRO - do Mestre Raimundo Irineu Serra;
SOIS BALIZA - de Germano Guilherme;
06 DE JANEIRO - de João Pereira;
O MENSAGEIRO - de Maria Damião;
AMOR DIVINO - de Antônio Gomes da Silva.

 

Em 1935, com o recebimento dos primeiros hinos da doutrina, foi realizado o primeiro hinário. "Era 23 de junho de 1935, o Mestre organizou duas frentes de trabalho. Os homens foram tirar lenha para fogueira, as mulheres, preparar a ornamentação e uma grande ceia que o Mestre pediu para fazer no intervalo. Quando foi lá pelas seis horas da tarde, na Casa de dona Maria Damião, nós nos reunimos, rezamos um terço, tomamos Daime e fomos cantar até meia noite. Só tinha oito hinos! Um de Germano Guilherme, quatro do Mestre, dois de João Pereira e um de Maria Damião. Eram repetidos nessa mesma ordem por toda a noite. Quando foi meia noite ele deu um intervalo, já estava preparada a ceia numa grande mesa, quando ele mandou que nós cantássemos por três vezes aquele hino:

 

Papai do Céu do Coração
Que hoje neste dia 
Foi quem deu o nosso pão
Graças a mamãe

Mamãe do Céu do coração
Que hoje neste dia 
Foi quem deu o nosso pão
Louvado Seja Deus

 

Esse hino foi cantado de forma tão bonita, que nunca mais me esqueci... até hoje... chora emocionada dona Percília Matos. Após a meia-noite o grupo voltou a cantar a seqüência de hinos determinada até o amanhecer do dia. Era dia de São João Batista. Depois Irineu Serra seguindo orientações de sua professora Clara ordenou as novas datas para a realização dos hinários, formando o primeiro calendário de hinários oficiais da doutrina:

 

PRIMEIRO CALENDÁRIO OFICIAL DE TRABALHOS

 

DATA DO FESTIVAL COMEMORAÇÃO


05 para 06 de janeiro Dia dos Santos Reis
18 de março Dia de São José
Semana Santa Morte de Nosso Senhor Jesus Cristo
23 para 24 de junho São João Batista
01 para 02 de novembro Dia de todos os Santos e Finados
07 para 08 de dezembro Nossa Senhora da Conceição
21 para 25 de dezembro Natal

 

Além dessas datas, era normal a realização das sessões de concentração aos sábados e das sessões de cura nas quartas-feiras. As datas evidenciam os primeiros traços do cristianismo na Missão de Irineu Serra. Paralelo a esses ensinamentos que passavam a ser recebidos do Plano Astral, edificando a comunicação entre o grupo e o mundo espiritual, Irineu Serra ensinava seus seguidores a rezarem. A reza surgia nos fundamentos da doutrina como um dos elementos de fundamental importância para o indivíduo: "Ele cansou de nos dizer e ainda hoje nos diz espiritualmente, que devemos rezar para alcançarmos os nossos objetivos sem embaraços e nos livrarmos dos males que existem no mundo terra", disse dona Maria Gomes.

 

No Pai-Nosso ensinado pelo líder espiritual Irineu Serra, ao invés de dizermos :"venha a nós o vosso reino", como ensina a Igreja há milênios, ele ordenou com orientações de sua professora espiritual, Clara, que fosse dito: "vamos nós ao vosso reino" - porque o reino é divino e assim como viemos, vamos ao trono de nosso pai.

 

"A minha mãe me acompanhou
Mandou Eu ensinar
Os que forem filhos dela
Aprender ao menos a rezar"

"Vamos todos trabalhar
Que nós vamos se apresentar
Perante ao nosso Pai
E os trabalhos a Ele mostrar"

 

Com essa filosofia, Irineu Serra passava a ensinar seus seguidores a trabalharem materialmente para se apresentarem ao Pai Divinal. Consagrou as seis horas da manhã, o pino de meio dia e as seis horas da tarde como sagradas. Era o princípio de sua doutrinação a seu povo, sem a utilização do pensamento de inteira dominação, Mestre Irineu trabalhava através da sagrada bebida a consciência, que mostra através dos hinos nossos deveres no mundo terra.

 

As curas e a humildade do líder frente ao grupo, iam engrandecendo seu próprio espírito. O líder passava a ser referenciado nos hinos que eram recebidos por Germano Guilherme, João Pereira e Maria Damião como Mestre:

 

"Jesus Cristo está na terra
Foi Deus do Céu foi quem mandou
Para ele vir nos ensinar
A doutrina do salvador"

 

Evoluía seu trabalho. Gradativamente crescia seu grupo, e conseqüentemente, os preconceitos das religiões e da sociedade. Mestre Irineu começava a se preocupar em legalizar sua sessão e mostrar aos dirigentes eclesiásticos que sua missão em nada ameaçava as religiões tradicionais.

 

1936 - A INTRODUÇÃO DO BAILE, OS ENSAIOS E O FARDAMENTO

 

Em 1936, duas medidas marcavam uma nova fase de trabalho com o grupo: primeiro, a introdução do bailado no ritual de hinários, em seguida, a oficialização do primeiro fardamento da Doutrina, uma medida de organização, que ensaiava os passos iniciais do Mestre Irineu na institucionalização de seus trabalhos.

 

O BAILE

 

Foi introduzido como uma dança de passos laterais para a direita e a esquerda em ritmos de marcha, valsa e mazurca. Homens e mulheres, em forma de quadrilátero, executam os passos rítmicos, com a batida do maracá - primeiro instrumento de percussão da doutrina, feito com latas de 500g., esferas e cabos de madeira, naturalmente originado das tribos indígenas -, que serve para dar ritmo ao bailado (conjunto de passos do baile).

 

Sua introdução nos trabalhos de hinários, como afirmam os mais antigos, foi uma das tarefas mais difíceis encontradas pelo Mestre Irineu. "Eu mesma muitas vezes não tinha paciência para ensaiar e saía da forma. Uma vez eu me irritei tanto, que joguei o maracá na mesa e disse que não bailava mais", lembra dona Percília Matos.

 

Desde então surgiram os ensaios na doutrina. Mestre Irineu passou a reunir o grupo nos fins de semana, e de forma paciente, "ele ia ensinando de um por um a bailar, muitas vezes pegando na mão e mostrando os passos que tinham que ser dados de acordo como a Rainha pedia para ele". Ao que se sabe, foram quase seis meses de intensos ensaios, até que pudesse ser executada a forma ideal de bailado instruído pelo Mestre Irineu.

 

O FARDAMENTO

 

Neste mesmo momento, Mestre Irineu em conjunto com dona Raimunda e dona Percília Matos, determinava a confecção do primeiro fardamento oficial da doutrina: "As primeiras fardas eram umas túnicas de mescla, uns dólmãs. Tinha um chapéu branco na cabeça. Eram duas fardas: fardamento oficial (túnica de mescla e calça branca) e fardamento azul (calça de mescla e túnica branca)", relatou o sr. Raimundo Gomes.

 

Essas primeiras fardas, segundo dona Percília Matos, foram confeccionadas entre a própria comunidade. "Para fazer foi uma festa, a gente se reunia umas nas casas das outras e íamos fazendo. Nessa época eu já costurava para fora. Todo mundo queria vestir a farda da Doutrina", relatou dona Percília Matos.

 

A farda dava uma nova identidade ao grupo do Mestre Irineu. Em todos os trabalhos considerados oficiais o grupo vestia a farda branca (oficial), e nas sessões de concentração vestia o fardamento azul. Vamos observar com o passar dos tempos, o aperfeiçoamento do fardamento oficial da Doutrina, que evoluiu em conjunto com outros pensamentos firmados pelo Mestre.

 

A NOVA ORDEM DE COMANDO

 

Ainda em 1936, Mestre Irineu seguindo orientações de sua professora espiritual, Clara, determinava também uma nova ordem de comando ao seu grupo, criando um elemento disciplinar, semelhante ao de um quartel, com patentes divididas hierarquicamente, através de estrelas:

MÓDULO DE HIERARQUIA


SEIS ESTRELAS GENERAL

CINCO ESTRELAS TENENTE CORONEL
TRÊS ESTRELAS TENENTE
DUAS ESTRELAS CABO
UMA ESTRELA SOLDADO RASO

 

Eram considerados como soldados rasos os irmãos que eram recém chegados na missão. Mais uma vez observamos em suas ordens de comando a valorização que Mestre Irineu dava aos irmãos considerados mais antigos. Dentro dessa hierarquia, sabe-se que apenas Mestre Irineu utilizava a patente de seis estrelas, era o General.

 

1938 - A CHEGADA DA FAMÍLIA GOMES

 

1938. O Brasil ainda vivia o regime ditador de Getúlio Vargas. No Acre, embarcações ainda traziam famílias inteiras de nordestinos que fugiam da seca em busca de uma melhor vida na região. "Numa dessas embarcações, relatou dona Zulmira Gomes, papai nos trouxe para cá. Sofremos muito na viagem de navio até aqui, mas chegamos com fé em Deus. Aqui, com uns tempos, papai estava muito doente, sentia uma perturbação no juízo muito forte e eu já estava cansada de tanto correr para aqui e para acolá atrás de uma cura para ele. Compadre Zé das Neves me perguntou se eu não conhecia a sessão de um negro alto que curava na Vila Ivonete. Disse que não. Ele insistiu até que me convenceu a ir até lá. Me apresentei ao Mestre, ele olhou o estado de papai e marcou para a próxima quarta-feira o início do trabalho de cura para ele. Mais ele já saiu de lá melhor (sorriu) e com três sessões de cura ele ficou bonzinho. Aí ele foi e disse que nunca mais abandonaria aquele trabalho", relatou dona Zulmira Gomes.

 

Dessa forma, a família Gomes se apresentava à sessão de Raimundo Irineu Serra. Essa história dona Zulmira Gomes gostava muito de contar. Às vezes, sempre que ia visitá-la no Alto Santo, me impressionava a sua capacidade de memória. Com uma idade bastante avançada e bastante cansada da rotina sofrida vivida até aquela época, dona Zulmira não se cansava de falar do passado. Com um galho seco na mão (que usava para espantar os mosquitos), sempre que algum novato chegava no Alto Santo, lá estava ela relatando os inesquecíveis momentos vividos ao lado do Mestre.

 

Ela relatava o fim do primeiro ciclo de formação da doutrina. O Mestre Irineu, que já dava os primeiros passos na institucionalização de seus trabalhos, contava com um considerado grupo de seguidores. Da nova família, além de Antônio Gomes da Silva, o patriarca, os seus filhos Leôncio Gomes, Raimundo Gomes, Adália Gomes, José Gomes e dona Zulmira Gomes também passaram a freqüentar a sessão. Dona Zulmira, casada com o senhor Sebastião Gonçalves, levou à missão seus filhos Raimundo Gonçalves, João Gomes, Benedita Gomes, Eloísa Gomes e Peregrina Gomes. Essa família fortificava a edificação da doutrina, como o próprio Antônio Gomes, que passou a receber um rico e instrutivo hinário, onde relata: "O Mestre trabalhava, se achava quase sozinho, pediu a Jesus Cristo que abrisse o seu caminho".

 

A EQUIPE DA MATA

 

Além dos rituais de concentração e cura, os hinários oficiais, as ordens de serviço e o fardamento, sabe-se que existia na organização do chamado Serviço da Mata, um responsável, que a princípio foi o sr. José Francisco das Neves e, posteriormente, o sr. Manoel Dantas. Estes homens, em todo ciclo de lua nova, adentravam nas matas virgens da Amazônia em busca das plantas para a confecção do Daime. Formaram adjunto a João Pereira, Francisco Martins, Antônio Gomes, Guilherme Gomes, Antônio Roldão, Pedro Marques, Antônio Capanga, José Afrânio e o próprio Mestre Irineu, a primeira equipe da mata da Doutrina do Daime.

 

AS METODOLOGIAS DE APERFEIÇOAMENTO

 

Como metodologias de aperfeiçoamento desse primeiro ciclo doutrinário, os ensaios e a primeira formação do Estado Maior, foram trabalhos desenvolvidos pelo Mestre Irineu, para a interdisciplina do grupo.

 

O ESTADO MAIOR - "Na linguagem espiritual, significava a reunião de pessoas graduadas, capazes de transmitir conforto a quem precisa nas sessões e hinários. Tinham que ser pessoas efetivas, que estavam sempre prontas quando o Mestre os chamava. Lembro-me de dois grupos que foram formados: um antes dele sair da Vila Ivonete, outro antes de falecer. Essas pessoas eram graduadas por ele nos hinários de São João e Natal. Ele escolhia e incluía a pessoa no quadro de estado maior". Ainda segundo dona Percilia Matos, formavam o Estado Maior da Doutrina, até 1940:

 

MEMBROS DO ESTADO MAIOR FORMADO ENTRE 1931 À 1945

 

1. Germano Guilherme - chegou na missão em 1938;
2. José Francisco das Neves - chegou na missão em 1931;
3. João Pereira - chegou na missão em 1931;
4. Maria Damião - chegou na missão em 1931;
5. Dona Raimunda (esposa do Mestre) - chegou na missão em 1933;
6. Percília Matos - professora, chegou na missão em 1934;
7. Antônio Gomes da Silva - chegou na missão em 1938;
8. Maria Gomes - chegou na missão em 1938.

 

No dia 02 de abril de 1942, Mestre Irineu e seu grupo se despediam de dona Maria Marques Vieira, que carinhosamente era chamada de Maria Damião. Os mais antigos contam que com a morte de seu pai, o senhor Damião Marques, em 1935, Maria Damião enfrentou a árdua missão de criar sete irmãos. Ela dedicava-se, além da doutrina, exclusivamente ao trabalho com a terra. Plantava, roçava e colhia o pão de cada dia que ajudou a criar seus irmãos", relata dona Percília Matos, de quem foi grande amiga. Espiritualmente, Maria Damião recebeu um dos mais belos hinários da Doutrina, hoje batizado como "Mensageiro", composto de 49 hinos. Seus hinos verbalizam em sua totalidade as palavras do Mestre Irineu. É desse hinário a origem da palavra pátria na Doutrina. Maria Damião, através de seus hinos, nos fala do amor à Pátria - terra onde nascemos, e em outras passagens projetou histórias que aconteceriam no futuro, como as divisões do grupo em 1974 e 1981. Em 1942, quando a marinha japonesa foi derrotada, os alemãs e italianos expulsos do norte da África, na Segunda Guerra Mundial, Maria Damião anunciava através de seus hinos: "novas revoluções com os estrangeiros". Seu hinário descreve também a figura de um Chefe Estrangeiro, ser espiritual misterioso, que poucos na Doutrina conhecem seu significado e origens. "Retratando essa passagem, o Mestre recebeu o hino "Choro Muito". Ninguém sabia que ela estava doente. Com três dias que saiu esse hino, chegou a notícia que ela estava agonizando. Ela adoeceu repentinamente e morreu com 32 anos. Maria Damião também fala de sua passagem para a vida espiritual em seu último hino, que recebeu o nome de despedida:

 

"A tua casinha está pronta
Caminhos abertos
Jardins de flores
A ti oferecem

Jesus Cristo salvador
E a Rainha da Floresta
Se vós ver que eu mereço
Receba ó mãe honesta

Nas minhas ouças escutei
Um grande festejo
Os meus irmãos chegando
E o meu corpo se liquidando

Corrigi meu pensamento
Pedi perdão a meu pai
Para eu poder seguir
A minha feliz viagem"

 

A vida seguia nos trabalhos da missão implantada pelo Mestre Irineu. Suas amizades ampliavam-se, principalmente no cenário político. Mestre Irineu conheceu um dos maiores políticos que o Estado do Acre já teve, senador Guiomard dos Santos, como também o Cel. Fonteneli de Castro, Jorge Kalume, Wanderley Dantas e outros, que dedicaram à sua pessoa e ao seu trabalho, o carinho e a atenção merecidos.

 

Com o crescimento do grupo que o cercava, a ampliação de suas atividades tanto materiais quanto espirituais passava a ser uma necessidade. Em 1945, Mestre Irineu começa a preparar sua saída da Vila Ivonete. O local começava a ser influenciado pelo inchamento populacional que a cidade de Rio Branco sofria. Com a decadência do mercado da borracha, mais famílias de seringueiros e agricultores deixavam a vida no campo para arriscar a sorte na capital. A Rainha ordena a Mestre Irineu a mudança de sede dos trabalhos da doutrina.

 

TERCEIRO PERÍODO - DE 1945 À 1971

 

A EVOLUÇÃO SISTEMÁTICA DA DOUTRINA CRISTÃ-DAIMISTA:


O APERFEIÇOAMENTO E INSTITUCIONALIZAÇÃO DE SUA LITURGIA, CERIMÔNIAS E RITUAIS

 

1945 - A MUDANÇA PARA O ALTO SANTO

 

Rodeada de uma vegetação nativa rica em seringa e madeira de lei, após duas visitas ao local que era conhecido como Colocação Espalhado, Mestre Irineu consegue fechar as negociações com as terras, que foram doadas pelo Governo do Estado, através de um projeto de assentamento executado por Guiomard dos Santos. "Guiomard dos Santos visava naquela época corrigir a saída do homem do campo para a cidade. Estava uma coisa sem dono, todo mundo abandonava a seringa, a borracha e vinha para a rua tentar uma vida melhor. Ele foi e criou esses pólos de produções, doando através da amizade que tinha com o Mestre Irineu, essa grande área de terra para ele trabalhar", relatou o sr. Luiz Mendes.

 

Era maio de 1945. A Segunda Guerra Mundial acabava. Valorizando a história de sua pátria, Mestre Irineu ao mudar-se para a nova morada, batizava-a, de Colocação Espalhado para Alto da Santa Cruz. Existia apenas uma casinha velha de paxiúba. A preocupação inicial do Mestre Irineu foi organizar um espaço para a realização dos trabalhos de sua missão, afinal, o hinário oficial de São João estava próximo.

 

A distância do grupo que deixara na Vila Ivonete era grande, porém, seu desligamento não quebrou o ritmo dos trabalhos. Embora sentissem a ausência do líder todos continuavam sua vida normal. Nas datas de encontro, como as sessões de concentração e os hinários, todos caminhavam quilômetros e quilômetros pela estrada Alberto Torres, para participarem da sessão. Exemplo disso foi a realização do primeiro hinário no Alto da Santa Cruz, que como já nos referimos anteriormente, foi novamente em louvor a São João Batista.

 

"O trabalho foi realizado em baixo de um laranjal. Como a mudança havia acontecido no final de maio, não houve tempo hábil para Mestre Irineu construir um local sede. Foi um trabalho inesquecível, era um dia muito frio, todo mundo pensava como ia suportar a frieza da mata naquela noite. Mas nem sentimos o tempo passar, tomamos o Daime e começamos a cantar os hinos do Mestre, sentindo aquele conforto que parecia vir de cima. E vinha mesmo, em meio a toda aquela mata, cantamos como se estivéssemos em pleno salão", relembrou dona Percilia Matos.

 

Presume-se que neste período Mestre Irineu tenha recebido seu hino de número sessenta: Laranjeira, marcando os trabalhos que foram realizados no laranjal, ao qual se refere anteriormente dona Percília Matos. Sabe-se que a nova etapa de trabalho na vida do grande líder foi dificultosa. Teve que reiniciar todas as plantações de arroz, milho, feijão e mandioca, trabalhando muitas vezes sozinho, dada a distância que o separava do grupo da Vila Ivonete. Incansável na missão que a divindade lhe destinava, Mestre Irineu enfrentava todas as dificuldades com determinação e coragem.

 

1946 - A SUSPENSÃO DOS TRABALHOS

 

Basicamente um ano após sua mudança para o Alto Santo, em meados de maio de 1946, Mestre Irineu seguindo orientações de sua professora espiritual, Clara, resolve suspender todos os trabalhos espirituais de sua missão. Pouco se sabe dos reais motivos que levaram Mestre Irineu a tomar essa decisão tão profunda. Entre os mais antigos seguidores, falar desse assunto é uma lembrança desagradável. Em nossas pesquisas, o silêncio prevaleceu no momento da maioria responder, e os que tiverem coragem para falar afirmaram que além das brigas entre o grupo que em sua maioria ficara na Vila Ivonete, a sogra de Mestre Irineu, dona Maria Franco, também teria sido um dos motivos da suspensão da sessão. "Uma das causadoras foi sua sogra, uma confusão formada por ela foi que levou o Mestre a fechar a sessão. Ele suspendeu os trabalhos que estiveram sempre em sua responsabilidade. Foi uma época muito difícil para todos nós", relata dona Maria Gomes, esposa de Antônio Gomes na época. A data de fechamento da sessão coincide com o período de falecimento do seu marido. Fortemente abalado em sua saúde física antes de falecer, Antônio Gomes tinha recebido um hino que anunciava esse momento que seria vivido por todos da missão: Um dos versos desse hino diz: "A sessão estando fechada, Estamos fora do poder, Estamos dentro do clamor, Para todo mundo ver". Temendo esse clamor foi que Antônio Gomes "saiu à cavalo de casa em casa, pedindo aos irmãos que se humilhassem e pedissem para o Mestre abrir a sessão", conta dona Lourdes Carioca. Na verdade, as discórdias entre a irmandade sempre foram um dos motivos mais fortes que desgostavam o Mestre Irineu. Essa atitude desqualificada que vinha sendo praticada por alguns de seu grupo, teria mesmo sido o motivo mais intenso para a atitude corajosa tomada pelo grande líder. Para quem pregava sempre a evolução, era inadmissível o fato de seus seguidores estarem se agredindo.

 

A ENTREGA DA FAMÍLIA GOMES

 

Fortemente abalado em sua saúde, a reabertura da sessão foi um dos sonhos que Antônio Gomes da Silva viu nos planos espirituais. Em agosto de 1946 ele começou a se despedir da irmandade. Em uma das visitas que o Mestre Irineu fez a ele, antes de seu falecimento, Antônio Gomes pediu que antes de fechar os olhos, o Mestre ficasse responsável pela sua família. Exatamente o que descrevia seu hino: "Eu aqui em vossas mãos eu cheguei já quase morto, eu aqui a vós me entrego junto com minha família". Aos 14 de agosto do mesmo ano ele faleceu. "O hino 'Só Eu cantei na barra' é sobre a passagem de Antônio Gomes. Ele estava muito doente: o hino fala 'A morte é muito simples, é igualmente ao nascer', quando eu ouvi eu percebi que não tinha jeito. A receita, como diz o Mestre, é a terra", relata dona Percília Matos.

 

Sua curta trajetória pela Doutrina ficou marcada pelo recebimento de seu hinário. Batizado atualmente como Amor Divino, o verbo de seus hinos testificam a missão pregada pelo Mestre Raimundo Irineu Serra como uma verdadeira escola universal. Um de seus hinos mais conhecidos, Preleição, fala da união, do perdão e da humildade como as fontes principais para o aperfeiçoamento do homem e sua plena felicidade. Sua morte culmina com a reabertura dos trabalhos. "Pouco depois que ele morreu foi que o Mestre abriu a sessão novamente", comenta dona Maria Gomes.

 

Atendendo seu pedido, o Mestre passou a observar de perto todos os seus filhos. Entre eles, dona Zulmira Gomes, Leôncio Gomes e Raimundo Gomes, já se destacavam na preservação dos ensinamentos da doutrina. Dona Zulmira e o sr. Raimundo Gomes, por exemplo, passavam a receber dois maravilhosos hinários. Leôncio Gomes havia se curado do vício do alcoolismo em trabalhos de cura realizados com a presença do senhor Daniel Pereira de Matos, conterrâneo do Mestre Irineu, que também curou-se através da doutrina do forte vício do alcoolismo. "Ele bebia muito, bebia de cair. Ficou mesmo entregue a bebida. Foi quando ele encontrou com Irineu Serra, que era conterrâneo dele, lá do Maranhão. Então Irineu Serra, como já estava estabelecido, pegou o Daniel e levou lá para o Alto Santo. Assim ele contava. Passou uns tempos lá e melhorou, ficando sem beber. Com um tempo, Daniel voltou para cá e voltou a beber. Aí, o Irineu buscou ele novamente, trazendo de volta pra o Alto Santo pela segunda vez, dessa segunda vez o Daniel ficou mais tempo por lá", relata o sr. Antônio Geraldo.

 

AS SESSÕES MUSICADAS

 

A passagem de Daniel Pereira de Matos na doutrina, porém, não se resume apenas nesse episódio de cura. Restabelecido do vício, Daniel Matos passou a se dedicar a missão. "Preto só de pele, mas por dentro um capucho muito grande", como afirma o sr. Antônio Geraldo, Daniel Matos era um homem inteligente. "De ombros largos e musculosos, conversava muito com a gente, tinha uma voz forte. Aqui ele não trabalhava no roçado e nem de cortar seringa. Ele ficava em casa estudando, gostava muito de estudar. O negócio dele era ler, trabalhar de carpinteiro e era o barbeiro do Mestre Irineu" relata o sr. Raimundo Gonçalves.

 

Foi no desenvolvimento de suas atividades como carpinteiro, que Daniel Pereira de Matos passou a fabricar seu próprio instrumento e compor suas músicas. "Ele só tocava músicas dele, até os instrumentos eram feitos por ele", volta a afirmar Raimundo Gonçalves. Com o tempo, Mestre Irineu passou a utilizar as valsas compostas por sua autoria, instituindo um ritual de Sessões Musicadas. "Nós tínhamos um sistema de trabalho que era o seguinte: o padrinho Irineu dava um serviço de concentração e o Daniel tinha umas teorias de fazer valsas dele. Então quando chegava numa parte do trabalho, o padrinho Irineu mandava o Daniel tocar aquelas valsas dele que eram bonitas. A gente se concentrava naquela música que ele tocava. Então era assim que o Daniel participava dos trabalhos no tempo em que ele estava com o Mestre Irineu", acrescentou o sr. Raimundo Gonçalves).

 

A FUNDAÇÃO DA BARQUIINHA - PRIMEIRA RAMIFICAÇÃO DA AYAHUASCA NO ESTADO DO ACRE

 

A amizade e o compromisso espiritual do Mestre Irineu e Daniel Pereira de Matos foram além desses horizontes. "O Mestre ia sempre visitar o Daniel, na Vila Ivonete. Quase todas as vezes que ele ia na rua, passava lá na casa dele. Eles realmente eram muito amigos. O Mestre Irineu gostava muito dele. Uma das vezes em que o Mestre Irineu foi lá, o Daniel falou para ele que tinha um bocado de gente que vinha procurá-lo para se curar de muitos males. Então, o padrinho Irineu foi e deu licença para que ele continuasse o seu trabalho. Por um bom tempo, o padrinho mandou Daime para ele ajudar o pessoal. É que ficava mais fácil, pois naquele tempo, o Daniel ainda não tinha como fazer Daime na Vila Ivonete. Ficava muito longe para o pessoal ir da Vila Ivonete ao Alto Santo, era muito difícil. Foi dessa forma que Daniel começou, até que ficou por conta própria, trabalhava com o Círculo Esotérico e fazia cura", relata Raimundo Gonçalves.

 

Assim surgia a primeira ramificação da ayahuasca no Estado do Acre, era fundado por Daniel Pereira de Matos o Centro Espírita e Culto de Oração Casa de Jesus Fonte de Luz, localizado na Vila Ivonete até hoje. Neste centro, Daniel Matos desenvolveu-se espiritualmente. Sua amizade com Mestre Irineu continuou viva. "O Daniel dizia que tomava Daime com o Irineu e contava sobre as visões que teve nesse período que viveu com o Mestre Irineu", relata dona Francisca Gabriel.

 

1948 - A CONSTRUÇÃO DO ALTO SANTO

 

É como um grande Pai que Mestre Irineu resolveu, em 1948, construir a casa que seria sede dos seus trabalhos espirituais. Até então, as sessões e os hinários oficiais vinham sendo realizados no Laranjal. Com tantos afilhados e filhos e a crescente chegada de novos adeptos, era hora de adequar sua missão para o número de seguidores que ela comportava e dar mais um passo na institucionalização de sua Doutrina.

 

Ordenou a retirada de toda madeira para a construção da casa. Raimundo Gonçalves, filho mais velho de dona Zulmira Gomes, foi o responsável por isso. "Passamos uma porção de dias nessas matas tirando a madeira que o Mestre havia pedido. Também trabalhei na construção, o Mestre estava sempre à frente de tudo, tinha muita força, colocou essas balizas do casarão praticamente só", relata seu Raimundo Gonçalves.

 

Com uma arquitetura semelhante as primeiras casas erguidas no território do Acre, o Alto Santo tinha quatro águas, que representam os quatro ventos cardeais. Um salão grande de entrada. Dos lados esquerdos e direitos, ficavam os quartos e os fundos, uma cozinha lembrada até os dias de hoje, pela fartura da grande mesa e dos fortes bancos de madeira construídos pelo próprio Mestre Irineu Serra. Ele fez também um gabinete, onde eram e são guardados até hoje as frasqueiras de Daime, e que naquela época serviu também como local de audiências do Mestre com seus seguidores. "Ele atendia a todo mundo naquele gabinete, passava de horas conversando e aconselhando a gente", relata o sr. Francisco Grangeiro.

 

A Doutrina vive a partir daqui uma fase nova de reflexões e acertos. O Mestre, neste período que vai de 1945 à 1971, implanta novas ordens de serviços, busca apoios para a legalização de seus trabalhos, recebendo uma carga grande de seguidores e novas famílias que firmam-se em sua Doutrina, proporcionando a implantação em definitivo da grande filosofia espiritual a que fora destinado. A grande casa, que mais tarde passou a ser conhecida como Alto Santo, pelas inúmeras curas que o Mestre realizou, passava a ser a sede dos trabalhos espirituais da missão.

 

A DOAÇÃO DE TERRAS E A IMPLANTAÇÃO DEFINITIVA DO SISTEMA ADJUNTO DE COOPERATIVISMO

 

É nas terras do Alto da Santa Cruz que acontece também a implantação de suas atividades com a terra, trabalho que tornou-se possível graças às inúmeras adesões dos novos seguidores, além da vinda para o local das famílias que estavam instaladas na Vila Ivonete.

 

Gradativamente Mestre Irineu foi trazendo as famílias que ficaram na Vila Ivonete. Doando terras para a morada dos familiares, ele implantava seu sistema espiritual e cooperativista. "Ele dizia que chegaria um tempo, que felizes seriam aqueles que tivessem um pedacinho de terra para plantar. Assim estimulava cada um que vinha chegando, a se engajar com seu trabalho", lembra Francisco Grangeiro, que chegou na missão em 1950.

 

A adesão de novos seguidores crescia o ritmo de seus trabalhos, ao mesmo tempo em que os seguidores mais antigos iam se despedindo do grupo. Em 1952 falecia o pioneiro João Pereira, natural de Porongaba - CE, João Pereira foi um dos primeiros seguidores da doutrina. Acompanhou com dedicação os trabalhos da missão desde 1930, recebendo, a exemplo de Germano Guilherme, Maria Damião e Antônio Gomes, um rico e instrutivo hinário que fala das três fontes nobres, um Rei e uma Rainha que veio a este mundo replantar a Santa Doutrina de Jesus Cristo.

 

A SEPARAÇÃO COM DONA RAIMUNDA

 

Em março de 1955, dona Raimunda resolve abandonar a companhia do Mestre Irineu. Este assunto é outro momento da história dessa Doutrina que poucos falam. Sabe-se que as dificuldades de convivência entre ambos se dava, principalmente, pelos problemas criados pela sogra do Mestre Irineu, dona Maria Franco. "A mãe dela se metia em tudo que o Mestre determinava, era uma perturbação na vida dele", comenta dona Percília Matos. De origem pouco conhecida, dona Raimunda era pajé de nascença e tinha grandes conhecimentos espirituais. "Era a chave de confiança do Mestre. Ele ensinou e ela aprendeu. Ela fazia chamado de vir mesmo. Ele ensinou os pontos para ela. Ela tomava conta dos homens e das mulheres", relata Francisco Grangeiro. Até que em seu livre arbítrio, Dona Raimunda resolve deixar para trás todos os anos de convivência com Mestre Irineu. "Ela foi embora para São Paulo com a mãe onde veio a falecer, ao que me parece, atropelada", relata dona Percília Matos.

 

Com a ausência de dona Raimunda, Irineu Serra trouxe para o Alto Santo os jovens Paulo Serra e Marta Serra. Filho do casamento entre José Francisco das Neves e dona Cecília Gomes, Paulo Serra foi batizado pelo Mestre Irineu com esse nome, em homenagem ao seu tio do Maranhão, aquele que teve participação decisiva em sua vinda para o Acre. Paulo e Marta foram batizados como filhos adotivos do Mestre Irineu e passaram a morar em sua companhia, junto com dona Percília Matos, que também passou a morar na residência oficial do Mestre. "Era ela quem copiava os hinos quando o Mestre recebia. Ficou sendo uma espécie de governanta, cuidava da casa e, na missão, passou a exercer as mesmas funções de dona Raimunda no comando feminino", relata o sr. Francisco Grangeiro.

 

1956 - O CASAMENTO COM MADRINHA PEREGRINA

 

Após três anos separado, em 1956, Mestre Irineu começou a preparação para um novo casamento. Dessa vez, seguindo as orientações de sua professora espiritual Clara, teve mais cautela na escolha de sua nova companheira. Na verdade, com 64 anos de idade, sabia que deveria escolher para sua companhia aquela que seria herdeira de toda a sua fortaleza de ensinamentos.

 

Desta forma, realizou os primeiros contatos com dona Zulmira Gomes, mãe de Peregrina Gomes, uma moça que na plenitude de sua juventude, se despontava como a pessoa ideal para o grande Mestre. "Foram meses de observação até ele ter a primeira conversa com dona Zulmira", relata dona Percília Matos.

 

Após receber a aceitação da família através de dona Zulmira Gomes, que agiu como uma intermediadora, Mestre Irineu buscou o consentimento da noiva que tinha apenas 17 anos. "Ele me perguntou se eu aceitava casar com ele e eu disse que sim. Se fosse de acordo com minha família", relata madrinha Peregrina. E assim aconteceu. Após os acertos e a preparação dos documentos, foi marcada a data de 15 de setembro do mesmo ano para a grande festa. "Eu me encontrei com ele duas ou três vezes antes do casamento", contou-me madrinha Peregrina. A irmandade foi convidada para três dias de intensas festividades, era o enlace matrimonial do Mestre. No dia 15 de setembro, após a cerimônia religiosa e civil, o casal recepcionou a irmandade no Alto Santo. Música, dança e muita comida marcaram a data inesquecível. Doravante, Peregrina Gomes passava a assinar com o sobrenome Serra. Estava unificado o amor divino que unia o casal. Mestre Irineu estava consciente de que a partir dali, começava a preparar aquela que seria a herdeira de seus ensinamentos.

 

A VIAGEM PARA O MARANHÃO

 

Com pouco mais de um ano de casado, exatamente a 13 de novembro de 1957, as saudades de seus familiares que não via a cerca de 45 anos, faz com que Mestre Irineu planeje uma viagem para o Maranhão. Antes de partir, tomou as medidas necessárias na organização espiritual de seus trabalhos. Com um grupo experiente, deixou na administração José Francisco das Neves e Raimundo Gomes da Silva, tio de dona Peregrina Serra.

 

A viagem para o Maranhão foi toda feita de barco "no litoral do Maranhão. Um braço de mar muito bravo e tinha hora que o barco ficava cheio de água e ele sentado na proa do barco", relata dona Peregrina Serra. No reencontro com sua família, em São Vicente de Férrer, Mestre Irineu não encontrou mais sua mãe com vida. José Serra, irmão do Mestre, foi quem deu as informações sobre os familiares. Sabe-se que no Maranhão, "ele não falou do Daime, disse apenas do trabalho que tinha com um grupo no Acre, quando decidiu me trazer e mais seus dois sobrinhos: João Serra e Zequinha", comenta Daniel Acelino Serra, que também embarcou na viagem de volta ao Acre com Mestre Irineu.

 

No Alto Santo a falta de notícias, dado ao precário sistema de informações da época, começava a preocupar seus seguidores. Alguns, liderados por Raimundo Gomes, chegaram até a realizar "sessões de procura" (trabalhos em que os irmãos procuravam resolver problemas de ordens pessoais ou do grupo) com o objetivo de saber se o Mestre estava ou não vivo. A notícia de seu desaparecimento chegou a ser comentada entre a irmandade, causando até certos desentendimentos entre os irmãos. Afinal, eram três meses sem notícia alguma. Dona Peregrina Serra, sua esposa, porém, mantinha-se com a esperança. "Era o maior desejo dele fazer essa viagem de barco. Foram 40 dias se alimentando com mujangué (ovos batidos) para agüentar a força da miração", comentou ela.

 

Seus sobrinhos também falaram que "ele fez a viagem de volta toda mirando na proa do barco", afirma Daniel Serra. "Foi nessa viagem que ele recebeu as instruções de fardamento", acrescenta dona Peregrina Gomes Serra. Ela teve uma missão árdua na administração dos trabalhos na ausência do seu marido. As plantações e as colheitas lideradas por Mestre Irineu tiveram ritmo normal em sua ausência, dona Peregrina Gomes Serra cedo estava no roçado comandando e ajudando no cultivo dos produtos que garantiam a sustentação do grupo.

 

No dia 13 de fevereiro de 1958, o Mestre desembarcava no porto acreano. Foram mais três dias de intensas festas no Alto Santo. A irmandade aflita aliviava-se com a presença física do Mestre, que fazia questão de apresentar um a um os sobrinhos que havia trazido do Maranhão. A integração de Daniel, Zequinha e João Serra foi rápida, logo logo eles estavam adaptados aos trabalhos do tio e à convivência com seu grupo de seguidores. "Chegando aqui nós ficamos encantados com toda aquela recepção, os dias de festa. Parecia que vinha chegando uma grande autoridade", relata Daniel Acelino Serra.

 

A CHEGADA DA FAMÍLIA CARIOCA NA DOUTRINA

 

Em outubro desse mesmo ano se apresentava ao comando do Mestre Irineu a família Carioca. Por intermédio de dona Olívia Facundes e o sr. Antônio Facundes (que também ingressaram nesta mesma data), dona Lourdes Carioca, desenganada pelos médicos que lhe atestaram sofrer de apendicite aguda, chegou nas mãos do Mestre Irineu. "O trabalho era uma sessão de concentração. Ao tomar Daime dado pelas mãos do Mestre, tive minha primeira miração. Neste noite, eu vi que não tinha nenhuma apendicite aguda, e que estava mesmo era grávida de uma menina", relatou dona Lourdes Carioca. Observamos através de seu depoimento que o Daime revelava segredos que hoje são possíveis na medicina moderna, através de um exame de ultra-sonografia. Dona Lourdes saiu daquela sessão consciente de que não estava doente e que carregava no ventre a gestação de uma menina, que nasceu no dia 03 de abril de 1959 e chama-se Marise Carioca. "Costumo dizer que se nunca mais tomasse Daime, daria o mesmo valor que dou ao Mestre e sua Doutrina", acrescentou dona Lourdes Carioca.

 

Em casa, sonhando, Julio Chaves avistava uma luz. "Eu mi vi debaixo de uma laranjeira, onde via uma porta aberta para o firmamento. Ao ouvir o gemido de minha velha (referindo-se a dona Lourdes), seguia viagem até encontrá-la em um hospital no firmamento. Uma equipe de médicos muito bonita cuidava dela que, ao me ver, dizia que estava grávida", conta o sr. Júlio Carioca. "Quando acordei, pensei que ela tivesse morrido", acrescentou.

 

A rigorosa dieta que os médicas receitaram para minha mãe foi abandonada: "Passei a comer de tudo. O Mestre disse que daquele dia em diante eu estava curada". Na sétima vez que dona Lourdes Carioca tomou Daime, foi que Júlio Carioca começou a participar da sessão: "Em minha primeira miração, confirmei o que havia visto em sonho. Vi que sua mãe tinha sido curada e que estava dentro de uma verdade muito séria", relata ele.

 

Sempre que um novato participava dos trabalhos, Mestre Irineu na presença de todos o entrevistava no final da sessão. Com o sr. Júlio Carioca não foi diferente: "quando ele me perguntou o que tinha achado da viagem, disse que tinha visto dois caminhos: o do bem e o do mal e o resultado. Tinha visto também os resultados do homem que é falso à mulher. Ele como sábio disse que 'tudo quanto eu estava dizendo, todos que estavam ali já tinham visto, só que quando iam embora, ao passar pelo portão, deixavam o que viu e levavam o que trouxe'. Pedi para que ele repetisse e ele disse: 'Isto mesmo Julio, deixam o que viu e levam o que trouxe'", relata Júlio Carioca.

 

Ficava claro nas palavras de Mestre Irineu que sua Doutrina apresentava um sistema de vida para cada seguidor. Quando o Mestre se refere ao portão de sua casa para dentro, explica em outras palavras, a sistematização de seus ensinamentos, a criação de seu próprio mundo, de suas leis e do universo representado pelo amor e a humildade. Ele sempre lutou para que seus seguidores apresentassem no cotidiano o que viam nos momentos de miração. É o que narra o hino Palmatória, do hinário Cruzeiro que diz: "Porque todos não cumprem, Com o dever e obrigação, Conhecer essa verdade, Para chamar meu irmão". Sua filosofia é de irmandade, da convivência em grupo, da coletividade, a interação social, a comunidade.

 

Essa preleção inicial ficou gravada na memória do sr. Júlio Carioca que passou a seguir regularmente os trabalhos junto com toda a família, na época, formada apenas pelos meus irmãos: João Batista, Júlio Filho, Fátima Carioca e Francisco de Assis.

 

Com a crescente chegada de novos seguidores Mestre Irineu construiu uma puxada de palha (local aberto, feito em madeira natural e coberto de palhas) ao lado do Alto Santo, para abrigar os adeptos nas noites de longo trabalho. Sensíveis mudanças já haviam sido feitas no fardamento oficial. Os homens usavam palmas no paletó e fitas coloridas no ombro direito. Mesmo tendo recebido ordens para implantar o novo fardamento, como vimos anteriormente, o Mestre Irineu esperou um pouco mais para organizar melhor seu grupo.

 

1958 - A INTRODUÇÃO DE INTRUMENTOS NO RITUAL

 

Daniel Pereira de Matos, que havia seguido seu caminho espiritual, deixou aberto na escola do Mestre Irineu o dom da música, a harmonia dos acordes musicais que executava com esplendor e maestria. A chegada da Família Carioca na sessão marca a introdução de instrumentos no ritual sagrado instituído pelo Mestre Irineu.

 

Embora houvesse alguns tocadores de violão no Alto Santo, quem estimulou a idéia de solo aos hinos foi o sr. Júlio Chaves Carioca. "Comprei um bandolim para a Lourdes, o Mestre disse que um cavaquinho seria mais fácil para aprender. Comprei um cavaquinho, depois com um tempo, o Mestre pediu para comprar um violão para ela, e me deu naquela época 8 mil réis para comprar um violão para sua esposa, comadre Peregrina", relata Júlio Carioca. Foi a partir da compra desses violões que formaram-se os primeiros grupos musicais no Alto Santo. "O Mestre ensaiava o ritmo conosco, batendo seu maracá ao nosso lado. Ele mandava que nós nos concentrássemos e invocássemos o Mestre Daniel Pereira de Matos para vir ensinar a gente a tocar. Com pouco víamos os locais dourados aonde tínhamos que bater nas cordas, dito ninguém acredita", conta dona Lourdes Carioca, que formou o primeiro trio de tocadores, ao lado de dona Peregrina Serra, e de seu esposo Júlio Carioca.

 

Depois outros seguidores foram se interessando pelo aprendizado da música:


- Raimundo Gonçalves (banjo)
- Maria Laurinda;
- Jovita Gomes;
- Adália Grangeiro;
- Tolentino (todos com violão);
- Enoque (bandolim);
- João Serra, sobrinho do Mestre (pandeiro) formavam novos grupos de músicos da Doutrina.

 

Sabe-se que desses seguidores formaram-se como primeiros tocadores: Júlio Carioca, Lourdes Carioca, Peregrina Serra e Maria Zacarias (violão), Raimundo Gonçalves (banjo) e João Serra (pandeiro). O violão, o banjo, o bandolim e o pandeiro passavam a ser os instrumentos originais do trabalho. Não poderíamos deixar de registrar nesse contexto, a passagem na sessão de Francisco, o Chiquinho Cego, como era conhecido devido a cegueira adquirida aos sete anos de idade. Foi ele quem iniciou as aulas de violão aos irmãos Júlio Carioca Filho, João Batista Carioca e José Carlos Carioca, que mais tarde firmam-se como músicos oficiais da Doutrina.

 

1960 - O RECEBIMENTO DOS HINOS NOVOS E AS ÚLTIMAS MEDIDAS DO GRANDE Mestre

 

A SEDE OFICIAL DOS TRABALHOS

 

Em 1960 Mestre Irineu volta a das passos na institucionalização de seus trabalhos espirituais. O número elevado de novos seguidores determinava a construção imediata da primeira sede oficial da Doutrina. A madeira mais uma vez foi retirada de suas próprias terras. O projeto era simples, apresentava uma construção em quatro águas, idêntica a do Alto Santo, com varandas circulares e cobertura de cavaco, dando total originalidade ao templo sede.

 

Acompanhado de seus seguidores, iniciou as obras com mutirão, onde reunia grande parte da irmandade, formada geralmente por aqueles que moravam nas proximidades do Alto Santo. "Ele terminava aqueles mutirões e chamava aqueles que ele sabia que não podia lhe dar um dia de serviço e pagava. Tinha consciência de quem podia lhe ajudar e de quem ele podia ajudar", relata dona Peregrina Serra.

 

Em pouco tempo as bases estavam erguidas com barrotes fortes e altos de madeira em lei, tirados pela força de trabalho do Mestre Irineu que já tinha 68 anos de idade. Projetada na beira de um açude, as varandas circulares separavam os lados masculino e feminino. A construção do templo marcava uma nova etapa na vida dos precursores desta grande missão. A inauguração foi mais uma vez marcada pela data de São João Batista, com fardamento branco e o cântico e o baile do hinário o Cruzeiro do Mestre Irineu, durante toda a noite de 23 para 24 de junho de 1960.

 

A AMIZADE COM JOSÉ GUIMARD DOS SANTOS

 

Politicamente, o Mestre ampliava suas relações. Admirador da política adotada por José Guiomard dos Santos, Mestre Irineu chegou a fazer do Alto Santo, um dos primeiros diretórios da ARENA - Aliança Renovadora Nacional. Neste período, "Esse Guiomard dos Santos vinha aqui, passava dias aqui em casa conversando com ele. Uma vez ele chegou o velho estava no roçado. Aí ele mandou chamar. Disse: 'ora Irineu, eu venho aqui passar o dia contigo e tu estás no roçado. Acaba com isso, tu não é para trabalhar assim'. Aí o velho respondeu: 'eu tenho que trabalhar porque não tenho quem me dê nada'. O Guiomard então disse: 'eu vou te aposentar como veterano, tu queres?' Mas ele respondeu: 'não, eu não quero porque não sei mentir'", relata madrinha Peregrina. "Eu vi o Mestre pela primeira vez em 1950, era um comício de José Guiomard dos Santos, aí por esse meio de mundo. Ele estava lá, dona Lídia e o Mestre Irineu", comenta o dr. Manoel Queiroz.

 

Com esta sinceridade Mestre Irineu tinha a confiança e o respeito das maiores autoridades políticas do Estado naquela época. Além de sua amizade com José Guiomard dos Santos, Mestre Irineu gozava de bons conceitos com Valério Magalhães, Jorge Kalume, Vanderley Dantas e o Cel. Fonteneli de Castro. "Irineu conhecia os efeitos da adversidade. Continuou, ainda mais disposto, cultivando a semente a qual de forma lenta e gradativa, foi germinando para tornar-se árvores com sua sombra amiga, em especial nos momentos caniculares da vida!", descreveu Jorge Kalume.

 

A ESCOLA CRUZEIRO

 

Com a construção da sede oficial dos trabalhos, foi possível a irmandade do Alto Santo implantar a Escola Cruzeiro, que recebeu esse nome por funcionar inicialmente no salão de baile da sede. A iniciativa foi uma idéia conjunta dos professores João Rodrigues Facundes, dona Percília Matos e Francisco Matos.

 

Mestre Irineu apoiou a proposta, que trazia automaticamente maior qualificação aos moradores da região. A escola passou a funcionar com ensino de 1ª à 4ª série.

 

Criava-se também uma nova classe social no Alto Santo. Além de pequenos agricultores e seringueiros, passavam a existir os funcionários públicos. Todos os filhos das famílias que moravam próximo ao Alto Santo passaram a estudar na escola. Um dia, Júlio Carioca trabalhava como inspetor, ordenou a um dos filhos de Francisco Grangeiro, chamado Valcírio, que voltasse para casa pelo fato de ter chegado atrasado no horário estabelecido para o início das aulas. Cabisbaixo e com vergonha de voltar para casa, quando o pequeno Valcírio passava de volta no terreiro do Mestre, encontrou-se com ele que perguntou-lhe porque voltava da escola antes do horário normal. Valcírio então contou a história. Mestre Irineu em tom bastante afirmado disse: "volte e diga para o sr. Júlio que eu não ensino assim, ouviu bem!?, conta Júlio Carioca. O garoto então voltou, contou as ordens do Mestre e adentrou para a escola. "Para mim ele mostrava que certos autoritarismos não resolvem e nem servem para a educação de ninguém. Nunca mais repeti aquele ato", acrescenta Julio Carioca.

 

PARCERIA COM O CÍRCULO ESOTÉRICO DA COMUNHÃO DO PENSAMENTO

 

Por esta época, já se aproximando de 1963, Mestre Irineu, segundo os mais antigos, procurava uma doutrina que fosse semelhante à sua. Nesta procura, filiou-se à organização Rosa Cruz, de onde recebeu o diploma de Honra ao Mérito, e mais tarde filiou-se também ao Círculo Esotérico da Comunhão do Pensamento, trazido ao seu conhecimento através do senhor Francisco Ferreira. "Ele começou a tomar Daime por aqui, e tal, viajando muito para São Paulo, e por lá ele conheceu, achou muito bonito e trouxe. O Mestre Irineu aprovou."

 

Na verdade, vamos observar que as filiações de Mestre Irineu tanto na Rosa Cruz quanto no Círculo Esotérico tinham como objetivo a busca de respaldo para o consumo de sua bebida. Afinal, desde a criação do primeiro centro da ayahuasca, em 1917 no município de Brasiléia, organizado pelos irmãos Antônio Costa e André Costa, que o Daime, como foi batizado em 1931 pelo Mestre Irineu, sofre com perseguições das religiões tradicionais e de alguns seguimentos da sociedade, que por falta de conhecimento dos reais fundamentos da Doutrina caracterizam-na como sendo um veículo nocivo ao homem. Existia a necessidade, portanto, do Mestre Irineu legalizar esses fundamentos, o pensamento educativo e religioso constituído em sua missão.

 

Nessa parceria com o Círculo Esotérico, a história registrou momentos de grande intensidade na evolução espiritual do grupo liderado pelo Mestre Irineu. Com sua filiação, os seguidores mais próximos também se filiaram. "O Círculo foi muito bem agraciado pelo Mestre que aconselhou que todos nós nos filiássemos, quem sabia ler se filiava e quem não sabia ler se filiava também", comenta o sr. Francisco Grangeiro.

 

Francisco Ferreira, que coordenava a ligação dos trabalhos com a sede do Círculo em São Paulo, passou a realizar encontros todas as segundas-feiras e todos os dias 27 de cada mês, onde reunia maior número de seguidores em sessões semelhantes às de concentração. "Tomávamos Daime e nos concentrávamos por uma hora e meia. Quando vinha chegando o afluído, compadre Luiz Mendes lia a oração de Consagração do Aposento e em seguida, executávamos os cânticos dos hinos espirituais e esotéricos. Aquilo mexia com o coração da gente. Fora da sessão, nas reuniões de todas as segundas-feiras, líamos as revistas do pensamento, as orações do iniciado, enfim, elevávamos o nosso pensamento como determinava a Ordem", relata dona Lourdes Carioca.

 

"Nessa época foi quando dei meus primeiros passos na oratória. Pois é, com um certo tempo de concentração, lia a Consagração do Aposento e ouvíamos com muita maestria, comadre Lourdes cantar as canções do círculo", comenta Luiz Mendes, que tornou-se o primeiro orador oficial da missão do Mestre Irineu. "As vibrações de harmonia, amor, verdade e justiça, constantemente invocadas pela comunhão dos trabalhos esotéricos, iluminavam os pensamentos de unificação objetivados pelo Mestre", acrescenta o sr. Luiz Mendes. Um dos hinos que eram cantados nas sessões de concentração do Círculo Esotérico dizia:

 

Vibremos todos pelo nosso lema
Realizando a feliz fraternidade
Formemos uma egrégora suprema
Capaz de iluminar a humanidade

Côro: Das nossas almas ávidas de luz
Descerremos as portas sem temor
Adonai para o Eterno e bem conduz
Dos obreiros da Seara do Senhor

Pelo Sol da Harmonia iluminados
Regidos pelo amor universal
No templo da verdade consolados
Formemos com justiça nosso ideal

Tal como em prece simples e eloqüente
A luz dos pensamentos mais profundos
Sejamos saturados fortemente
Pela essência das flores e dos mundos

Nas belezas que o lema sintetiza
Muito além desse bárbaro cilício
Busquemos esta luz que simboliza
As cristalizações do sacrifício

Outro hino que não poderíamos deixar de registrar é o hino espiritualista, sua letra sintetiza os valores das duas doutrinas:

Somos filhos de Brahama Supremo
Que a terra criou-nos para o bem
Do universo infinito e extremo
Seu poder nos dá força também

Coro: Exultemos de alegria
Da luta ao entrar na liça
Invoquemos harmonia
Amor, verdade e justiça

Fraternal sentimentos nos unem
Transformados de sacro fervor
Um sublime dever nos reúne
Neste templo mansão do Senhor

Quando a alma s' envola liberta
Da ilusão que na vida seduz
Elevada surpresa desperta
No seu reino de Paz e de Luz

 

Entretanto, "entre os documentos orais e escritos acerca da influência do Círculo e de sua importância para a formação intelectual e religiosa de Mestre Irineu, um ganha destaque, por mostrar claramente a relação entre o Círculo e o CICLU. Trata-se de uma autorização assinada por Leôncio Gomes da Silva, datada de 10 de junho de 1974. Nessa autorização, Leôncio escreve que o CICLU "...antes denominado Centro de Irradiação Mental - Tatwa Luz Divina, autoriza a Fraternidade Luz no Caminho, antes denominada Centro Humilde Rui Barbosa e depois Centro Eclético de Correntes da Luz Universal a funcionar de acordo com a orientação do trabalho do CICLU..."

 

A denominação de Tatwa para o CICLU não deixa dúvida quanto a sua relação ou tentativa de relação organizacional com o Círculo, pois este é o nome dos núcleos dessa organização. A carta refere-se ao período em que Mestre Irineu tentou legitimar o uso do ritual de ayahuasca no âmbito da esfera organizacional do Círculo (tese da antropóloga Oneide/RO). Essa ligação, porém, sofre um racha quando a presidente do Círculo Esotérico, dona Matilde Preiswerk Cândido, soube em São Paulo da ligação do Daime nos trabalhos do Círculo. A resposta do Mestre, foi imediata: "Se não querem o meu Daime, também não me querem, eu sou o Daime e o Daime sou eu", disse.

 

Na tentativa dessa legitimação, Mestre Irineu teria sugerido à direção do Círculo em São Paulo o nome de Centro Livre para a organização de seu grupo. O nome não foi aceito pela direção que enviou como resposta: Centro de Iluminação Cristã Luz Universal, o qual foi aprovado pelo Mestre Irineu. "O primeiro nome daqui foi Centro Livre, mas o Mestre aceitou a escolha da direção do Círculo e assim ficou", relata Francisco Grangeiro Filho.

 

E não se resumiram apenas nesses fatos a ligação da Doutrina com o Círculo Esotérico. Foi dessa relação que Mestre Irineu determinou os dias 15 e 30, como datas oficiais das sessões de concentração, a partir de 1963, quando foi oficializado a data de 27 de cada mês para a realização das sessões esotéricas. Do Círculo, também Mestre Irineu extraiu os princípios de Harmonia, Amor, Verdade e Justiça, acrescidos de Paz, Amor e Silêncio, palavras fundamentadas em sua Missão.

 

Sabe-se também que foi através das leituras das revistas do Círculo, enviadas mensalmente para o Mestre Irineu e seu grupo de filiados, que este desenvolveu sua leitura. Diz o sr. Sebastião Jaccoud que "ele próprio contava que certo dia saiu do Alto Santo e foi até a cidade, Rio Branco, que costumava visitar poucas vezes durante o ano. Numa dessas ocasiões, alguém perguntou se sabia ler e ele respondeu que sim. Caiu em reflexão a respeito da resposta e concluía que não havia dito a verdade. Decidiu a ler e escrever. Tornou-se ávido leitor das obras do Círculo Esotérico da Comunhão do Pensamento". Dona Percilia Matos, também teve papel fundamental no aprendizado de leitura do Mestre. Era ela quem ajudava nas lições que lhe levaram a ler e escrever.

 

A COMISSÃO DE CURA

 

É das bases do Círculo Esotérico que Mestre Irineu organizou também seus trabalhos de cura. Como já vimos, até esta data os trabalhos de cura eram realizados nas quartas-feiras. Sempre que um irmão estava necessitado, Mestre Irineu reunia seus membros e trabalhava a cura da pessoa em trabalhos que poderiam se repetir de três a até nove sessões.


Com a organização desses trabalhos, Mestre Irineu criou uma Comissão de Cura - que seria responsável pelo acompanhamento dos irmãos enfermos. Nove pessoas, integrantes do Estado Maior, formavam essa comissão:

 

1 - Madrinha Peregrina
2 - Percília Matos
3 - Lourdes Carioca
4 - Zulmira Gomes
5 - Maria Gomes
6 - José das Neves
7 - Francisco Martins
8 - Francisco Grangeiro
9 - Júlio Chaves Carioca

 

Comentam esses seguidores antigos que os objetivos de Mestre Irineu ao fundamentar essa equipe eram mais amplos. Um dia o Mestre comentou com Júlio Carioca: "Quero, Júlio, concentrar-me aqui (referindo-se ao Alto Santo) para trabalhar em benefício de uma pessoa que esteja doente no Japão", testemunha Júlio Carioca. "Em duas ocasiões chegamos a nos reunir com esse objetivo, acrescenta dona Lourdes Carioca. A primeira foi quando houve um incêndio grande nas matas do Maranhão que ninguém conseguia apagar. O Mestre nos reuniu, tomamos Daime e fomos bater lá. Na miração, via ele na frente e nós com uma porção de vassourinhas ajudando a apagar o fogo; outra vez foi na Segunda Guerra Mundial, naquela época eu não estava ainda na sessão, mas o Mestre me falou que também se concentrou pedindo paz para o mundo todo", comentou dona Lourdes Carioca.

 

"O povo acha por aí, que quando o Mestre diz: 'Doutrinar o mundo inteiro', é para sair abrindo centro e criando Mestre em tudo quanto é Estado e País. Mas ele referia-se a esse trabalho de doutrinação com o mundo todo de uma maneira bem responsável, não era da forma com está", comenta o sr. Pedro Matos, esposo de dona Percília Matos. "Doutrinar o mundo inteiro, mas daqui do lugar de onde ele está", acrescenta.

 

Ainda em organização ao processo de cura, Mestre Irineu ordenava a realização do Trabalho de Abertura de Mesa - que consiste no afastamento de maus espíritos de pessoas mal assistidas espiritualmente. Esse trabalho foi dedicado a dona Percília Matos, e consiste na leitura de uma oração. "Essa oração ele tirou do Círculo Esotérico, determinou que fosse lida no ritual simples que cura as doenças de espíritos mal assistidos, é muito sério", comenta dona Percilia Matos. Além dessas orações, outras também foram aproveitadas pelo Mestre no seguimento de seus rituais, porém, no seu aperfeiçoamento como Mestre dos Mestres, Irineu Serra recebeu chamados e orações que não encontramos em nenhum tipo de livros. "Uma delas que podemos revelar, se refere a nossa proteção quando saímos de casa para trabalhar ou fazer qualquer outra atividade, o Mestre ensinou dizermos fazendo o sinal da cruz, ao sair no portão: 'O Divino Pai Eterno + com vosso Divino Poder + os bons espíritos me acompanhe + para tudo eu poder vencer", ensina dona Lourdes Carioca.

 

OS DECRETOS DE SERVIÇOS

 

A construção dos primeiros Decretos de Serviço também foram estimulados por essa parceria entre a Doutrina e o Círculo Esotérico. Vamos observar na linguagem desse decreto, que surgiu como um regimento interno da Doutrina, as finalidades previstas no artigo "g" do estatuto do Círculo Esotérico: Incentivar entre seus membros o culto cívico dos grandes benfeitores da humanidade, o respeito às leis e aos poderes constituídos do país. Três capítulos do estatuto do centro, oficializados em 1971, também dedicam linguagens às questões cívicas.

 

Dezenas de revistas do Círculo e livros esotéricos encontram-se arquivados ainda no presente nos arquivos do memorial Raimundo Irineu Serra. Marcando o fim dessa ligação, Mestre Irineu recebia o hino 110 de seu hinário, que diz entre outros versos:

 

"Aqui estou dizendo
Aqui estou cantando
Eu digo para todos
Hinos estão ensinando"

 

A REORGANIZAÇÃO DO FARDAMENTO E DAS ORDENS DE SERVIÇOS DE SUA DOUTRINA

 

Neste mesmo momento Mestre Irineu realizava as mudanças que havia sido determinadas na viagem que fez ao Maranhão, em 1957. Ordenou o fardamento azul para as sessões de concentração de 15 e 30 e o fardamento branco para os hinários oficiais. Mudou também as ordens de serviços. Como vimos anteriormente, seus seguidores eram classificados por patentes que variavam de acordo o número de estrelas. Mestre Irineu baixou todas as patentes para uma única estrela, que colocava todos em igualdade de direitos. Os homens passavam a utilizar uma só estrela no fardamento azul e branco, colocada no peito direito. Para as mulheres e moças, também houve mudanças. No fardamento branco, as moças passavam a utilizar uma palma verde no peito direito; e as mulheres utilizavam uma rosa verde. No fardamento azul, moças e mulheres utilizavam o desenho de uma estrela de Salomão, com as iniciais: C.R.F - que significa: Centro da Rainha da Floresta. Por coincidência, as mesmas iniciais do Círculo de Regeneração de Fé, nome que recebeu o primeiro centro da ayahuasca, em 1916.

 

Desta forma, Mestre Irineu orientado pela sua inseparável professora espiritual, procurava corrigir certos desentendimentos que aconteciam em seu grupo. "Soldados que recebiam mais estrelas queriam mandar mais do que o outro que tinha menos e assim iam se formando as intrigas e disse me disse, ele então cortou as asas de todo mundo e deixou tudo igual", comenta Francisco Grangeiro.

 

A INTERAÇÃO ESPIRITUAL, SOCIAL E ECONÔMICA DO GRUPO

 

Essas ordens de serviços na verdade eram os passos finais do Mestre na organização de sua Doutrina e na legitimação de seus trabalhos. Na prática, o perfeito ordenamento do grupo podia ser observado nas relações espirituais, sociais e econômicas.

Espiritualmente, todos se reuniam nos dias 15 e 30 e nos hinários oficiais. Integrantes do Estado Maior e da Comissão de Cura e da Equipe da Mata reuniam-se com maior freqüência. Sempre que havia um irmão necessitado, todos do Estado Maior faziam a composição da Comissão de Cura, que durante três e até nove quartas-feiras seguidas, se reuniam, tomavam Daime e trabalhavam em benefício da cura dos necessitados.

 

A Equipe da Mata, toda lua nova, se reunia, ia para mata e confeccionava a santa bebida em um dos rituais mais sérios e prolongados da Missão, que chegavam a exigir desses chamados Soldados da Rainha da Floresta, dietas de até 21 dias. Três deles embrenhados nas matas da selva amazônica.

 

Além desses trabalhos, Mestre Irineu estabeleceu como atividades paralelas de qualificação dos seus seguidores, os ensaios e os hinários rondantes. Os ensaios, como já vimos, aconteciam desde o surgimento dos hinários e da introdução do baile no ritual da Doutrina. Houve com o passar dos tempos apenas algumas adequações, atualmente esse sistema acontecia com encontro aos sábados para os rapazes e moças e aos domingos, com todo o batalhão masculino e feminino.

 

Hinário Rondante - era uma atividade nova e muito bem organizada. Na verdade, mais uma forma do Mestre trabalhar a relação do seu grupo. "No tempo do Mestre, cada domingo tinha hinário na casa de um dos membros da comunidade. Começava na casa mais próxima da sede e ia circulando até terminar na sede de novo. Todo domingo de duas às quatro. Era chamado Hinário Rondante", relata dona Percília Matos.

 

As missas de sétimo dia de falecimento, formadas com hinos recebidos pelo Mestre e hinos dos hinários de Germano Guilherme e João Pereira, também era um ritual que acontecia sempre que um irmão falecia ou completava data de falecimento. Era uma forma da irmandade relembrar do ente querido, ao mesmo tempo em que se rezava por sua alma e de todos os mortos naquela ocasião.

 

OS ARRAIAIS E FESTEJOS SOCIAIS

 

Socialmente, o grupo passava a organizar e colocar como parte da programação social do centro a comemoração das festas juninas, uma tradição nordestina que trouxe muitas alegrias para a sociedade do Alto Santo na época. Organizados por uma força conjunta, essas atividades tinham à frente o sr. Júlio Carioca e dona Lourdes Carioca. O primeiro organizava as barracas, as modalidades de cada uma e gritava os leilões de galinhas. Dona Lourdes cuidava, ao lado de dona Peregrina Gomes Serra, da preparação das galinhas e da ornamentação do local, que situava-se ao lado da residência do sr. Leôncio Gomes, onde hoje encontram-se sepultados os restos mortais do Mestre Irineu.

 

Mais de 20 galinhas eram bingadas e leiloadas nas noites de arraiais que contavam ainda com a apresentação do Boi Bumbá, interpretado por integrantes da missão que divertiam-se com todas as brincadeiras. Essa organização tinha objetivos financeiros de cunho administrativo, o dinheiro arrecadado, principalmente com os leilões, era repassado ao caixa de manutenção do centro.

 

A juventude nascida na região também encarregava-se de inesquecíveis acontecimentos na área social nessa época. Os alunos da escola Cruzeiro, formada exclusivamente por filhos integrantes da Doutrina, organizavam apresentações de teatros, enquetes musicais e a comemoração do Dia da Independência do Brasil, que contava com a participação do Mestre Irineu, que "por muitas vezes tirava o dinheiro do bolso e colaborava com as atividades mantidas na escola", comenta dona Percilia Matos.

 

O ESPORTE

 

Um campo de futebol construído na frente do Alto Santo era um dos esportes preferidos dos adolescentes da época. Formavam o time que recebeu o nome de Santa Cruz: Júlio Carioca filho - chefe da bola, Valcírio, Guilherme, Crispin - o grande craque da comunidade, Cipriano Carlos e outros. "Todas as tardes a gente se reunia depois das tarefas de casa e do roçado e íamos jogar. Vovô (referindo-se a Mestre Irineu), ficava muitas vezes olhando da janela do Alto Santo. Tinha que pegar a bola das mãos dele e entregar no final da partida", lembra Júlio Carioca Filho.

 

AS FESTAS

 

Além desses eventos, os aniversários do Mestre, a 15 de dezembro, da madrinha Peregrina, a 14 de julho, e outras datas festivas, como a data de casamento do casal, a 15 de setembro, eram festejadas geralmente com três noites de intensas festas. João Cruz, como é conhecido um grande tocador de saxofone do Acre, era um dos escolhidos por Mestre Irineu para animar as festas. Excelente dançador de valsas, as partes escolhidas pelo Mestre são relembradas até hoje: "Quando tocava aquelas mazurcas e valsas da época, o Mestre levantava-se e dia: Uma dama de ouro para dançar com um cavalheiro de prata", relembra dona Lourdes Carioca. "Em muitas ocasiões ele dava Daime para a gente dançar e todo mundo respeitava, era uma festa linda cheia de momentos que a gente não esquece nunca", diz Paulo Serra, seu filho adotivo. "Toquei e não foi nem uma e nem duas vezes na Casa do Mestre Irineu, do Leôncio durante um, dois e até três dias. É difícil encontrar alguém com tanta alegria assim", relata seu João Cruz.

 

O SISTEMA COOPERATIVISTA ADJUNTO

 

Economicamente o grupo vivia do trabalho de cultivo da terra. O arroz, o milho, o feijão, a mandioca, a verdura, tudo era produzido pela força conjunta da irmandade, que organizava-se em mutirões. O Alto Santo tornou-se um dos pólos de maior produção no período que marca o final da década de 50 até o final da década de 60.


Embora a maioria dos produtos servisse para o auto sustento das dezenas de famílias instaladas na região, alguns produtores como o próprio Mestre Irineu vendiam suas safras no mercado riobranquense. A pecuária não tinha grandes efeitos econômicos. Apenas algumas cabeças de gado e o cultivo de um pequeno pasto eram preservados pelo Mestre Irineu, que mesmo assim, ajudava doando até dezenas de cabeça de gado para os irmãos necessitados financeiramente. "Era muito utilizado nos transportes de animais e produtos, para mim mesmo ele deu dez cabeças de gado que me tiraram do sufoco na época. Trabalhava com transporte e me ajudou bastante", relata Luiz Mendes do Nascimento.

 

"Ele gostava mesmo era dessa vida, ele brocava roçado de dez hectares e bem dizer sozinho. Começava maio e quando chegava em junho, botava uns três ou quatro para ajudar. Agora mais para o fim, que ele já estava cansado, era que botava alguém para trabalhar. Era uma união que era uma beleza. No último adjunto que o velho fez aqui, reuniu 60 homens, era 30 de março de 1969", lembrou dona Peregrina Gomes Serra, cuja ajuda já era expressiva ao seu marido. Ela além de pegar firme no cabo da enxada dentro dos roçados com o Mestre, era quem organizava o café da manhã, almoço e janta para todos que participavam da época de plantio e colheita. Dona Maria Laurinda, desde esse tempo, passou a prestar relevantes serviços ao Mestre e à madrinha Peregrina, assim como dona Percília Matos, dona Lourdes Carioca, e sua mãe dona Zulmira Gomes. "Os almoços na casa do vovô eram grandes, aquela mesa farta recebia várias etapas de comida. Eu lembro que os homens eram servidos por turmas e a comida dava que sobrava, era muita fartura, graças a Deus", afirma Júlio Carioca Filho.

 

Um único comércio era mantido no local. Administrado por Leôncio Gomes, vendia em suas prateleiras gêneros alimentícios que não eram produzidos na região, como o açúcar, o tabaco de fumo e outros; além dessa relação comercial, alguns seguidores do Mestre Irineu faziam uma espécie de troca de mercadorias com a vizinha colocação da Custódio Freire. Porco, galinha, patos, eram trocados por arroz, milho, roça e até comprados a dinheiro. "Sempre que a gente se via aperreado ia na Vila Custódio e trocava animais por comida, dava um jeitinho", lembra Júlio Carioca.

 

A MORTE DE GERMANO GUILHERME

 

Em 1964 se despedia do grupo liderado pelo Mestre Irineu um dos últimos seguidores pioneiros: Germano Guilherme, o primeiro a conhecer e seguir os passos do Mestre Irineu, deixava a vida material. A amizade com o Mestre Irineu era visível no tratamento entre ambos. "Eles se tratavam por mano, tudo que o Mestre queria ia conversar com ele e vice versa, eram muito amigos", relata dona Cecília Gomes.

 

Germano Guilherme recebeu o hinário Sois Baliza, com 53 hinos que relatam a criação da Doutrina de Irineu Serra, os caminhos e os seguimentos entre o plano espiritual e material e a afirmação suprema do cristianismo na Doutrina do Daime. Abalado em sua saúde física, Germano deixava saudades e o exemplo de firmeza e lealdade aos novos seguidores.

 

O ACESSO E OS MEIOS DE TRANSPORTE DA COMUNIDADE

 

A estrada que ligava a comunidade a Rio Branco era a Alberto Torres, que passava dentro do Quartel do Exército. Um jeep da Willians era um dos únicos carros mantidos pelo sr. Leôncio, que mais tarde vai possuir também uma Rural. Histórias engraçadas de aventuras vividas nesse jeep até hoje divertem os seguidores mais antigos. Paulo Serra era o motorista. Recém chegado de Belém do Pará, onde casou-se com dona Altina Serra, ele era quem conduzia as equipes enviadas pelo Mestre, para hinários no seu Louredo e no Limoeiro. "As estradas mais pareciam varadouros, a gente sempre ficava no prego, atolado e aquilo unia mais a gente que ríamos à vontade no caminho de ida e de volta", lembra Paulo Serra.

 

Outro meio de transporte que auxiliou muito até a Equipe da Mata foram os burros e cavalos. "Pegávamos muito jagube e folha em áreas distantes como Limoeiro e Barro Vermelho. Regiões de acesso difícil, muitas vezes eu lembro de chagarmos com jagube e folha em lombos de cavalos e burros com três e até quatro dias dentro das matas", lembra o sr. Júlio Carioca.

 

A FUNDAÇÃO DO CECLU

 

Final da década de 60, são abertas as ligações entre o CICLU e o CECLU de Porto Velho. O sr. Regino Silva é o pioneiro seguidor de Mestre Irineu responsável pela fundação do grupo em Porto Velho. Pouco se sabe das conversações que originaram esse fato. Sabe-se que Regino Silva tornou-se amigo do Mestre Irineu e passou a levar Daime de Rio Branco para Porto Velho, onde comungava junto com amigos. Esse pequeno grupo, a exemplo do que aconteceu com a própria doutrina, cresceu e originou os trabalhos de fundação do

 

CECLU - Centro Eclético e Correntes da Luz Universal, que estatutariamente, era subordinado ao CICLU.

 

É da criação desse núcleo de trabalho que Mestre Irineu conhece mais dois grandes companheiros de sua jornada espiritual. O primeiro, um senhor conhecido como Antônio Sapateiro, assim denominado pelo trabalho que exercia na fabricação de sapatos, atividade que o tornou sapateiro oficial do Mestre Irineu; o segundo, o sr. José Vieira, um homem intelectual que segundo relatos gostava muito de escrever. É esse homem que vai redigir o estatuto oficial que fundamentou a Doutrina do Daime.

 

Em outubro de 1967, Francisca Nogueira e Virgílio Nogueira do Amaral, também se apresentam ao batalhão do Mestre Irineu, ingressando como personagens de fundamental importância no seguimento das relações entre o CICLU e o CECLU. Homem humilde nascido nas fronteiras do Acre com a Bolívia, Virgílio Nogueira logo se destacou no grupo dirigido por Regino em Porto Velho, passando a ser o elemento de confiança que transportava o Daime de Rio Branco para a cidade vizinha. Conheceu Mestre Irineu, no dia 10 de abril desse mesmo ano, "Semana Santa, quarta-feira de trevas. Cheguei lá na presença do Mestre, a minha alegria era diferente das outras, parecia que ia ser guiado por Deus, e no dia seguinte, 11 de abril, eu completava 45 anos de idade, foi a primeira vez que eu conheci o Mestre, a farda branca e o bailado da Semana Santa...", testemunhou seu Virgílio Nogueira.

 

Neste mesmo ano, no término do hinário da Semana Santa, seu Virgílio leva 45 litros de Daime para Porto Velho. "...Saí para a cidade para a casa do Wilson Carneiro, que o Mestre tinha recomendado a ele para me encaminhar nesse transporte até embarcar para Porto Velho", volta a relatar Virgílio Nogueira. A ligação com o grupo liderado por Regino Silva se estreitaria a partir do momento em que José Vieira passava a redigir, a pedido do Mestre Irineu, o estatuto de fundamentação do seu centro.

 

Esse trabalho porém, Regino Silva não conheceu em vida, em 15 de julho de 1969 ocorria seu falecimento em Rio Branco. Uma forte crise de tuberculose tirava a vida do fundador do CECLU, que passou os últimos dias de sua vida na residência do Mestre Irineu no Alto Santo. A doença, segundo relatos, Regino Silva teria adquirido na militância, "era militante político e suas atividades subversivas não referem-se ao Daime, pois seu contato com o mesmo, foi posterior a sua prisão. Consta nos relatos de contemporâneos que o Daime o salvou não só da tuberculose, como também do 'ódio' que ele havia acumulado em sua prática militante na prisão após 64..." (Fontes: Tese da antropóloga Arneide/Porto Velho - RO). Assumia a direção dos trabalhos após seu falecimento, o sr. Virgílio Nogueira do Amaral.

 

No início da década de 70 apresentava-se ao Mestre Irineu, no Alto Santo, seu Valcírio Genésio da Silva, seu filho único, que nascera em sua passagem por Brasiléia em 1917. Após 57 anos, o reencontro com o pai foi emocionante... "apresentei-me a meu pai por intermédio de meus filhos. Tinha uma filha que estava fazendo um curso com a Percília e lá elas se deram muito. Falaram do padrinho Irineu Serra e minha filha interessou-se por vir até aqui, no Alto Santo. Por intermédio dessa minha filha ele mandou fotos, jornais, entre outras correspondências. Assim pude fazer um pensamento e ir até a casa dele. Isso foi no dia 15 de agosto de 1970. Ao visitá-lo pela primeira vez, eu tinha 53 anos. Eu não conhecia nem o caminho. Fui indagando a um e a outro, fui chegando e perguntando por ele. Ele estava repousando, mandaram eu me sentar. Eu não soube nem fazer o meu improviso a ele, que me abraçou com muita dedicação e carinho. Fiquei muito satisfeito", relata o sr. Valcírio.

 

AS PALESTRAS E O RECEBIMENTO DE SEUS ÚLTIMOS HINOS

 

No final da década de 60 Mestre Irineu recebia seus últimos hinos, que claramente anunciavam o fim de sua trajetória nos planos terrestres. Conhecido como Hinos Novos, é uma das fases de maior luz no intercâmbio de comunicação entre o Mestre Irineu e a Divindade Suprema. Suas melodias, letras e mensagens resumem a grande árvore genealógica de ensinamentos, formadas pelos hinários pioneiros da missão. "O Mestre recebeu os hinos derradeiros direto, um atrás do outro", afirma dona Percília Matos.

É neste período também que o líder espiritual intensificou os conselhos, os ensinamentos e palestras que visavam preparar seu grupo para sua ausência. Um dia, Mestre Irineu surpreendeu a Equipe da Mata, que era liderada por Francisco Grangeiro, fazendo uma pergunta para ele, João Rodrigues Facundes e seu irmão Antônio Facundes: "Vocês ouvem cantar aí Flor das Águas, mas para vocês, quem é Flor das Águas?, perguntou o Mestre", conta Júlio Carioca.

 

"Compadre Chico respondeu para ele que era o Daime, a mesma resposta que deu o compadre Nica e o compadre Cancão (como são conhecidos os irmãos João Rodrigues e Antônio Facundes). Ele então deu um prazo de dez dias para eles retornarem com aquela resposta, e disse: Júlio, Flor das Águas é o oceano, vocês cantam aí:

 

"Flor das Águas
Da onde vem para onde vai
Vou fazer minha limpeza
No coração está meu pai

A morada do meu pai
É no coração do mundo
Aonde existe todo amor
E tem um segredo profundo

Este segredo profundo
Está em toda humanidade
Se todos se conhecerem
Aqui dentro da verdade"

 

Esse segredo, Júlio, continuava o Mestre - é o conhecimento de todos que estão comigo. Mas é se todos se conhecerem aqui dentro. Mas ninguém presta atenção, preferem falar da vida uns dos outros. Mas eu conheço os meus e no meu trabalho não perco nenhum", testemunha Júlio Carioca.

 

Em uma única vez registrada na história dessa maravilhosa Doutrina, Mestre Irineu falou em Tupi-Guarani em palestra feita no dia de uma das últimas sessões que ele participou na sede. Nessa ocasião, o Mestre falou dos princípios da Doutrina: "Daime não é para existir aonde tem guerra. O Daime é paz, é harmonia, é amor, é verdade, é justiça. Na guerra tem bala. Em outro trecho dessa palestra, que encontra-se registrada em fita cassete, ele diz: "Como é que vocês trazem seus filhos para mim rezar, se não acreditam nem no Pai Nosso que rezam, como vão acreditar em mim?

 

Ficava muito claro através de suas próprias palavras um certo descontentamento do líder, com algumas intrigas e conflitos existentes entre a sua irmandade. Porém, como um incansável ensinador, o Mestre Irineu doutrinava, ordenava através de sua palavra, como o homem deveria se comportar no mundo terra. Já em 1970, após ficar durante três dias em coma profundo agonizando em cima de sua cama, com alto grau de febre, "ele recebeu um hino avisando", relata o sr. Wilson Carneiro. "A gente ficava em equipes se revezando para rezar e dar assistência para ele voltar", lembra dona Lourdes Carioca.

Foi quando o Mestre Irineu recebeu o hino:

 

"Eu cheguei nesta casa
Eu entrei por esta porta
Eu venho dar os agradecimentos
A quem rogou por minha volta

 

Eu estou dentro desta casa
Aqui no meio deste salão
Estou alegre e satisfeito
Junto aqui com os meus irmãos

 

Ia fazendo uma viagem
Ia pensando em não voltar
Os pedidos foram tantos
Me mandaram eu voltar

 

Me mandaram eu voltar
Eu estou firme vou trabalhar
Ensinar os meus irmãos
Aqueles que me escutar"

 

Era o seu penúltimo hino. A irmandade o recebia de volta e restabelecido, porém sabiam que sua passagem estava próxima. Foi quando Mestre Irineu começou a organizar a Doutrina para a sua ausência. Deixou de ir às sessões de concentração e aos hinários oficiais, ordenando que presidisse esses trabalhos o sr. Leôncio Gomes da Silva. Era o princípio de sua preparação para mais tarde assumir os comandos da missão. Dona Peregrina, sua esposa, ainda passava pelo estágio de formação espiritual.

 

Outras providências iam sendo tomadas pelo Mestre Irineu que disse muitas vezes para todo o grupo: "Vou sair daqui e deixar uma doutrina pronta, sem precisar colocar nem o pingo do i", lembra Júlio Carioca.

 

Após a reabertura dos trabalhos em Porto Velho, que foram suspensos em 1970 por conflitos entre os dirigentes, Virgílio e Francisca Nogueira, o Mestre Irineu enviou uma equipe liderada por Leôncio Gomes e formada por Francisco Grangeiro, Júlio Carioca, Francisco Martins e Daniel Acelino Serra, com a missão de ensinar os membros do CECLU a fazer Daime. Dadas as condições precárias da BR-364 e as dificuldades financeiras para o transporte da bebida na época, Mestre Irineu determinou a esses homens, que ensinassem ao sr. Virgílio Nogueira Amaral a trabalhar com a confecção da bebida. A missão durou onze dias. Foram feitos 51 litros de Daime com a equipe do sr. Virgílio Nogueira. A despesa na época chegou a R$551,00. Claramente, Mestre Irineu planejava a continuidade dos trabalhos na região.

 

A ABERTURA DOS PRONTO-SOCORROS

 

No Alto Santo outras providências do Mestre iam desenhando o desfecho de sua trajetória final na terra. Nos locais mais diferentes, como na Colônia Cinco Mil e na casa do sr. Joaquim Baiano, o Mestre Irineu mantinha o que os irmãos chamavam de Pronto Socorro - uma unidade de trabalho que realizava encontros nas sessões de 15 e 30, em face das dificuldades que existiam de locomoção desses irmãos para o Alto Santo. O sr. Louredo, outro antigo seguidor do Mestre Irineu, também mantinha esse tipo de trabalho em sua residência no bairro Vermelho (Rio Branco). Era dever dos responsáveis e membros dessas unidades participar dos hinários oficiais na sede central do Mestre Irineu.

 

Em Porto Velho, após a visita da equipe de instrutores de fazer Daime, os trabalhos prosseguiam normalmente. Em comunicação por carta a Mestre Irineu, observamos a participação de José Vieira na formação da diretoria do CECLU, sigla que na construção do estatuto do CICLU, ficou subordinada aos trabalhos do Alto Santo.

 

Dizia a carta:

"Para gestor lhe apresento o nome do irmão Virgílio, para secretário, um meu amigo que na União do Vegetal ocupou posto de relevo e que foi o redator do Estatuto daquela entidade, e com dificuldade trabalha com o nosso veículo, homem de cor parda que carrega na pele o luto pela morte de Nosso Senhor Jesus Cristo. Para Conselheiro indico nosso irmão Valdemar de Almeida, homem culto e capaz de nos ajudar com seu trabalho, eu apenas indico as pessoas capazes, porque a indicação caberá ao senhor Imperador. Ao irmão Antônio Sapateiro que me parece não procurar responsabilidade, poderá se ele aceitar também ser indicado. Quanto a mim, não é interessante eu me apresentar, mas se Nosso Senhor Jesus Cristo quiser e o senhor determinar eu procurarei me desincumbir de qualquer função embora não julgue capaz, sabendo que não se pode fugir do fardo que ele indica para cada um que se atém ao âmbito religioso, quando vem o caso".

 

Nos chama atenção nessas cartas enviadas por José Vieira ao Mestre Irineu, o tamanho respeito e a linguagem culta utilizada pelo homem que destacou-se como um verdadeiro Mensageiro do CECLU. Colocou com muita sinceridade suas idéias delineando categoricamente o perfil de cada membro formador da diretoria do novo centro, porque na verdade José Vieira tinha consciência da responsabilidade que teria de ser fundamentada na filial subordinada ao Alto Santo.

 

A REGULAMENTAÇÃO DA DOUTRINA

 

José Vieira já trabalhava firme no texto que fundamentava o estatuto oficial da Doutrina. Em uma das cartas escritas por José Vieira ao Mestre Irineu, datada de 26 de novembro de 1970, ele relatou a missão que lhe fora incumbida pelo Mestre:

 

"Agradeço sua amável lembrança pela missiva do último dia 19, me reportando ao programa antes já esboçado, afirmo estar firme junto com nosso irmão em Cristo, na consolidação da reforma que empreende ao nosso ritualismo. Prescindindo por isso a consciência das visões me usou como instrumento na elaboração de nossos estatutos e outros meios que provavelmente se assestaram nos objetivos globais de sua plataforma, no mais diante dos rumores que faziam do nosso veículo no meio religioso, me pus a campo partindo de uma entrevista com o reverendo Padre Mário, conforme cópia do pedido que a ele fiz e que lhe enviei, daí tendo ido a presença de sua Rev. Dom João Batista Costa, Bispo prelado do Território (de Rondônia) que está ansioso para conhecer nosso estatuto mediante esboço que a ele apresentei. Em seguida, conferenciei com alguns pastores evangélicos dados que alguns crentes buscam conhecer o nosso mistério e um deles já fazer parte de nossos outros trabalhos, quase já convertido a veneração da Virgem e de seus méritos, pateando nossas concepções e princípios para a segurança ao nosso culto e registro ante a necessidade de coordenação face as divergências aos nossos fundamentos, sempre alertando contra os falsos cristos, isto é, as falsas doutrinas com aparência de verdadeiras, estes e outros pontos foram o principal tema que apresentei por escrito ao nosso Bispo prelado, o qual parece que nos apoiará juntamente com a Igreja Católica".

 

Esses principais trechos da carta enviada oito meses antes do falecimento do Mestre, mostravam claramente através do intelectual José Vieira, qual era a necessidade de se criar o estatuto para o centro e os principais objetivos do Mestre Irineu: "para a segurança ao nosso culto e registro ante a necessidade de coordenação, face as divergências aos nossos fundamentos". O verbo intelectual de José Vieira, grande conhecedor do pensamento do Mestre, se exprime de forma ainda mais verdadeira, quando este afirma que: "Não nos cabe apenas conhecer as grandes verdades, mas a ela imprimir a realidade positiva". Este homem, provocou com sua determinação, um dos únicos intercâmbios registrados em toda a trajetória da Doutrina do Santo Daime com a Igreja Católica e a Igreja Evangélica. Como observamos em seu texto, José Vieira buscou o apoio desses seguimentos na elaboração do estatuto, até como uma base para a afirmação da Doutrina nos planos terrestres. "José Vieira era um homem que tomava muito Daime, seu quarto era abarrotado de livros por toda parte. Para fazer esse estatuto determinado pelo Mestre, tomou mais de 5 litros de Daime", lembra Júlio Carioca.

 

A MORTE DE RAIMUNDO IRINEU SERRA

 

A presença da Igreja Católica e Evangélica na busca de conhecimentos dos trabalhos do Mestre Irineu, como citou o sr. José Vieira em carta anterior, se deu exatamente neste período. "Um dia o Mestre Irineu me chamou e disse que sua professora havia lhe dito que um dos avisos que ela lhe daria quando estivesse perto dele fazer sua passagem era a presença de um padre na sua sede", comenta Júlio Carioca.

 

"No final de 1970, após seu aniversário, pelos dias 17 ou 18, ele recebeu o hino Terra Fria", comenta dona Percília Matos. "Ele convocou uma reunião e esclareceu: 'Esse hino não é só para mim, é para todo mundo, todo mundo que nasce morre'", relata Wilson Carneiro.

Já na segunda quinzena de junho de 1971, logo após o festejo de São João Batista, primeiro e último hinário oficial com Mestre Irineu em vida, ao despontar de uma bela tarde, quando os raios do sol ainda castigavam os rostos daquele povo sofrido, apontava no portão do Mestre Irineu, padre Pacífico, que se fazia acompanhar de duas freiras. Meu pai, que estava presente na hora, ouviu Mestre Irineu exclamar: "Que tempo é esse minha mãe. Ele lembrava do sinal que a Virgem havia lhe advertido", conta Júlio Carioca. "Lembro-me como se fosse hoje, ele recebeu muito bem o padre e as duas freiras. Ficou conversando com o padre, enquanto comadre Peregrina e sua mãe (referindo-se a dona Lourdes Carioca), foram atender as freiras. O padre pediu para assistir a um trabalho da sua sessão. O Mestre marcou então, para o dia 14 de julho, aniversário da comadre Peregrina, que seria o trabalho de apresentação. Assim que eles saíram, ele me chamou e disse: Júlio, amanhã você vai à cidade e avise a todo mundo, que dia 14 o fardamento é branco para esta apresentação ao padre. Recebam eles com todas as honras", acrescentou.

 

Suas palavras finais nessa ordem de serviço ao sr. Júlio Carioca já expressavam o que estava para acontecer: "Recebam eles com todas as honras". O Mestre sabia que não estaria mais presente materialmente. Contou também a Júlio Carioca, antes de seu falecimento, que estava aprendendo com a Virgem uma das últimas lições que tinha para aprender. Que lição é essa Mestre ? - perguntou Júlio - Ele me respondeu olhando para longe com aqueles olhos pequenos: Quando eu avistar um lá no portão, Júlio, eu já saber qual assunto ele vem tratar comigo e que resposta eu devo dar. Nesse momento, parecia uma coisa, lá vinha um velhinho com sacos nas costas, capengando mesmo. Ele disse: está vendo aí, esse vem de tão longe só para me tomar a benção", contou Júlio Carioca.

No dia 05 de julho, "Como era de costume, eu fui avisá-lo que no outro dia, ia mais a Lourdes receber. Ao chegar em seu quarto perguntei como ele estava e ele disse: estou melhor meu filho. Mas como melhor se quando chego em casa ouço dizer que o senhor piorou. Ele virou-se para mim e disse; Júlio, queres a verdade, para mim não há nada bom. Ouço aí em cima um grande festejo assim como que vai chegar o Presidente da República, um Chefe de Estado. Mas não sou eu não meu filho. Quando eu sair daqui, se apegue com o sol, a lua, as estrelas, a terra, o vento, o mar, tem todos esses seres. Se não, se firme com a esposa de um amigo seu" contou Júlio Carioca.

 

Nesse mesmo dia, "precisamente às 19:30 horas, quando eu entrei no Alto Santo o Mestre estava deitado. Se levantou para vir me atender. Foi quando eu li toda a documentação em cartório devidamente registrada no Livro de Pessoas Jurídicas da Comarca de Rio Branco" lembrou o sr. João Rodrigues Facundes. Ao passar o visto nas documentações estatutárias do centro, Mestre Irineu, segundo relatos, disse: "pronto, dei nome a quem não tinha". Consolidava-se ali uma luta de 79 anos em que o Mestre tentava regulamentar sua missão. Era o último despacho que Mestre Irineu fez materialmente.

 

Na quarta-feira 06 de julho do mesmo ano, ia-se completar a terceira sessão de cura que estava sendo realizada pela Comissão a beneficio da cura do Mestre Irineu. "Ia muito mais do que nove pessoas, todos queriam rezar pelo Mestre. Na segunda sessão de cura, o Mestre havia chamado um a um perguntando quem havia visto o seu velório. Ouviu a resposta de um por um, quando ficamos eu, comadre Peregrina, comadre Maria Zacarias, Marta e seu pai, ele disse: se conformem que eu estou perto de deixar vocês", lembra dona Lourdes Carioca.

 

E assim aconteceu, naquela manhã sombria, por volta das nove horas, o Mestre se despedia do mundo terra. Com uma forte crise de urina, desmaiou por cima da rede quando tentava urinar. Seguro por Francisco Martins, que gritou pela presença de madrinha Peregrina, o Mestre dava seus últimos suspiros já com uma vela na mão. O clamor e a tristeza tomavam conta da região. Em pouco tempo a notícia ganhava dimensão. O radialista Mota de Oliveira, uma das últimas pessoas curadas pelas mãos de Mestre Irineu, anunciava seu falecimento nas ondas da Rádio Capital. A cidade de Rio Branco parava para ouvir a triste notícia. A irmandade que morava na capital, era tolhida pela notícia da perda. Iniciava-se nas primeiras horas daquela manhã, um dos dias mais tristes da história da Doutrina do Daime.

 

Providências para a realização do velório foram tomadas. O corpo do Mestre ficou em sua residência até ser vestido com a farda oficial utilizada pelo grande líder. Na sede, os homens arrumavam os bancos e a mesa central para o ritual de velório. Fardados em branco, todos os irmãos receberam o corpo do Mestre Irineu, perfilados em forma de "V" que significava vitória. Seu caixão era colocado ao centro, coberto pela Bandeira Nacional, que lhe dava as honras de um Chefe de Estado. Na cidade, o governo Valério Magalhães divulgava nota de pesar ao falecimento do grande líder. Uma crônica lida na Rádio também evidenciava o triste acontecimento.

 

Durante o restante do dia e toda a noite de 06 para 07 de julho, foram cantados os hinários base da Doutrina por ele difundida. A emoção e o sentimento de dor e tristeza era visíveis, principalmente na execução dos hinos do hinário O Cruzeiro. O semblante de cada seguidor parecia flutuar em um fato que jamais eles esperavam que fosse acontecer naquele momento.

 

Ao amanhecer, após longas horas de palestras e discursos de autoridades e oradores do centro, acompanhados pela Banda da Polícia Militar, em toque fúnebre, perfilados em fileiras masculinas e femininas, o Batalhão cantando os hinos novos, seguia para a morada final escolhida pelo Mestre, bem ao lado da residência de Leôncio Gomes da Silva. Todos de grande a pequeno choravam pela perda. Dona Peregrina Gomes Serra acompanhada de sua mãe e irmãos, recebia os pêsames das autoridades, amigos e admiradores do grande líder. Sentia, mais que todos, naturalmente, a profunda perda do grande companheiro, conselheiro, amigo e esposo. Alguns como o orador Luiz Mendes do Nascimento, chegaram a desmaiar por cima do caixão fechado do Mestre Irineu que baixou no túmulo envolto à bandeira nacional. A irmandade dava adeus ao Mestre, comovida, os 79 anos de história marcavam aquele momento inesquecível. Os mistérios e encantos de uma vida dedicada à bondade e ao companheirismo; abria-se um novo capítulo na história daquele povo. O Mestre agora descansa deitado eternamente em berço esplendido, ao som do mar e à luz do céu profundo.

 

A FILOSOFIA ESPIRITUAL DECRETADA PELO Mestre IRINEU

 

Nesses 79 anos de vida coube a Mestre Irineu o papel de conhecer a verdade suprema que lhe foi destinada através da divindade. Como um grande aluno, foi humilde e sereno na obtenção de forças e qualidades que lhe conduziram para a evolução. Após o total conhecimento com os segredos e os elementos sagrados da natureza, outra árdua tarefa foi imprimir à realidade positiva a verdade por ele difundida. Aí se resumiu a grandeza de seu ser, a valorização de seu espírito. O homem chegou a ser Mestre, patente adquirida após meio século de intensos trabalhos, em face a sua luta contra os males e as rebeldias humanas e o seu papel pacificador, ordenador, orientador e dinamizador de luzes e sementes para o bem. Sua vida é uma filosofia, a qual deixou decretada para a continuidade de sua obra infinita:

 

DECRETO DE SERVIÇO DA DOUTRINA DO SANTO DAIME

 

"De acordo com as ordens anteriores do nosso Mestre Raimundo Irineu Serra, em atividade aos trabalhos que lhe foram ordenados, dando continuidade a esta obra infinita, mantida e executada pelo presidente deste centro, o senhor Leôncio Gomes da Silva, vem por meio deste despertar a fortalecer os direitos de cada membro desta casa.

 

1. O ESTADO MAIOR - Tem a devida competência de manter o acatamento e a paz deste recinto, perante as leis vigentes e a Constituição Nacional. Dentro dessa igualdade todos terão os mesmos direitos. Em caso de doenças, será designada uma Comissão de Cura à benefício do irmão necessitado.

 

2. NOS DIAS DE TRABALHO - Todos que vierem à procura de recursos físicos, moral ou espiritual, devem trazer consigo uma mente sadia, cheia de esperanças na Divindade Suprema, implorando ao Infinito e Eterno Espírito do Bem e a Virgem Mãe Soberana, para que sejam concretizados seus ideais de acordo os seus merecimentos. Outrossim, será expressamente proibido se convidar quem quer que seja para esta Casa, aqui estamos de braços abertos para receber todos aqueles que vierem de livre e espontânea vontade, sem classificação de cor, raça ou nacionalidade. Porém, cada um ao aproximar-se deste recinto deve contritamente vir fazendo suas preces, para obter as bênçãos Divinas e serem assistidos pelas Entidades Supremas.

 

3. PARA INICIAR A NOSSA MEDITAÇÃO - Cada um ao receber o Santo Daime deve considerar-se dentro da corrente, não sendo permitindo sair para conversar, colocando-se em sua posição silenciosamente. Nos dias de festival ou hinários, ao soar a chamada pela batida do maracá todos deverão colocar-se em forma, tanto o Batalhão Masculino quanto o Feminino, pois todos têm a mesma obrigação. A verdade é que o centro é livre, mas quem assume responsabilidades deve dar conta, pois temos que prestar contas dos nossos trabalhos perante ao Supremo Pai Criador. Ainda com referência à organização das fileiras, só poderão entrar nas fileiras quem estiver devidamente uniformizado, com exceção das senhoras em gestação ou convalescentes, estas poderão sentar-se perante à mesa. Também devemos evitar os maus hábitos viciosos como o alcoolismo e outros inebriantes que possam abater a moral de nossa personalidade.

 

4. INSTRUÇÕES AOS SENHORES PAIS - Todos os pais de família devem ser um professor exemplar para seus filhos. Esposas e esposos devem tratar-se com dignidade e respeito, incluindo as pétalas desse amor ao mais firme propósito da felicidade. Nunca devem pronunciar palavras que possam prejudicar a moral e a personalidade de seus filhos. Tratar bem desde o mais graduado ao mais humilde, ensinar os direitos e deveres de um cidadão brasileiro e se dedicar à missão da verdade. A disciplina é a principal instrutora da ordem. Disciplinar é educar e motivar no caminho do bem. Pois se esta é a Casa da Sinceridade, então vamos ser sinceros e respeitar os direitos uns dos outros dentro da sinceridade e da ordem. Se assim fizermos, será criada a união desejada pela qual o nosso Mestre tanto lutou. A Casa aonde estamos é uma escola de civismo, com instrução divina para o caminho do bem, para alcançar estes ensinos depende unicamente do esforço e da atenção de cada um. Mas havendo força de vontade nada para nós é custoso, pois os hinos estão mostrando e ensinando o poder desta Missão Sagrada do Divino Senhor Deus.

 

5. RESUMO - De acordo com as ordens acima citadas ficará doravante assim:


O irmão ou irmã que por força da incompreensão não cumprir fielmente com os deveres acima citados resolvendo enveredar por caminhos contrários, pela primeira falta será chamado a um Conselho perante à diretoria: pela segunda falta será suspenso por 30 dias; pela terceira falta será suspenso por 90 dias e se continuar desobedecendo, será eliminado dos trabalhos. Meus irmãos, vamos prestar atenção para que não se chegue a este ponto de tristeza.

 

Essa palavra decretada pelo Mestre Irineu funciona como um Regimento Interno da Doutrina do Daime. É lida em todos os trabalhos de concentração nos dias 15 e 30 de cada mês. Além dessa norma disciplinativa, Mestre Irineu como um sábio conhecedor do tempo, estabeleceu através do Estatuto de sua doutrina, normas cristãs e cívicas para o perfeito ordenamento de seu grupo.

 

O ARTIGO 20º - Do Estatuto do Centro diz que "consolidando os fundamentos da Ordem na constituição evangélica, suas bases se erguem na disciplina cristã consagrando aos filiados seus foros de obreiros à margem da erosão viciosa, tendo o Centro por norma não facultar ao uso da polideliça (Daime) aos que a título religioso se apresentarem idôneos, mas ao corrente da prática atentarem contra dispositivo em lei, cujos viciados queiram burlar o critério da entidade e sem ligações conspurcarem os efeitos traumáticos ou a crise por que passa o espírito em depuração por este agente e incidirem a estes princípios, serão proscritos da comunidade e denunciados às autoridades para conseqüente disciplina.

 

1º - Por outro lado, apta a instituição a admitir para higiene mental e cunho educativo na forma da lei, os:

a) intempestivos; b) desvairados; c) paranóicos; d) procazes; e) retardados; f) protervos; g) rebeldes; h) salazes; i) ignóbeis; j) rufiões e afins com a viabilidade ou não de recuperação moral ou mental, pelos quais assinarão seus responsáveis em observação pelo tempo necessário à integral normalidade ou o resultado negativo, colaborando assim a entidade com:


I - os poderes públicos no aprimoramento dos valores sociais e humanos e com;
II - as doutrinas legalmente constituídas.

2º - Quanto aos que preencherem os requisitos disciplinares prescritos, não se fará restrição desta espécie, se empenhando a direção em mostrar-lhes o retrato fiel deste colírio portador da magia divina a ser tomado com pura intenção e pureza de espírito para os fins religiosos e cônicos de que tudo é puro para quem está puro (Epístola a Tito 1:15) e com ações de graças para se encher do Espírito Santo coerente com Timóteo 4:4-5; Efésio 5:18-20 e Apocalipse 3:18, resguardando-se o Código Penal art. 282, 283 e 284 e afins, não podendo assim ser rejeitado ou confundido, no mais, dissecadas que foram as tergificações quanto a entorpecente e dirimida a censura, cujas provas se esbaldam mediante análise química de laboratório efetuada e apogradada.

 

No capítulo IX desse mesmo estatuto, é decretado pelo Mestre Irineu, as normas de moral e profilaxia da doutrina:

 

ARTIGO 21º - capitulando pela moral e saúde da agremiação, a todo é vedado na forma da alínea "b" e do artigo 8º da Constituição Brasileira e o decreto-lei nº 159, arts. 281 e 311 do Código Penal e afins, o uso e o tráfico de inebriantes e suas respectivas plantas, refutando-se:

 

a) heroína; b) a morfina; c) a codeína; d) a maconha; e) a cocaína; f) a marijuana; g) a cachaça; h) o LSD; i) o STP e outros também de efeito deletério, incompatíveis com a dignidade humana, os quais obscurecem a consciência e os sentimentos nobres, levando a perversão e ao fatalismo, suas vítimas na ânsia insopitável de alegrias fortuitas e degradações.

ÚNICO - Requintar-se na insensatez da libação e tripudiar as finalidades da alma, é mergulhar o ego em panacéias de ilusões e atos evidentes à integridade moral e comprometer a saúde e a personalidade, levando suas vítimas ao escravismo vicioso e ao fim constristador expresso em 1º Coríntios 6:10 e afins, cujos viciados não entrarão no Reino de Deus.

O caráter moral e pátrio também se faz presente em sua filosofia:

 

ARTIGO 22º - Feitos archotes dessa luz sublime tem os ecléticos por alvo também, a evocação dos valores pátrios.

 

1º - Daí o ter assento no estatuto e a devida aplicação, o reconhecimento ao tributo à Pátria, a qual não é o monopólio, formalismo ou seita mas ao invés é justamente em síntese:


I - O céu e o solo;
II - A tradição e o regime;
III - A coletividade e os costumes;
IV - A liberdade e os folclores;
V - O idioma e o ensino;
VI - Os ideais pátrios e religiosos;
VII - As leis e a justiça, a cuja orgânica este grêmio rende homenagem compartilhando dos:
a) Sacrifícios e alegrias coletivas, bem como;
b) Ajudando a contornar situações e;
c) A preparação individual, útil a coletividade e à pátria, todavia levando o espírito de modéstia, altruísmo e polidez, sobriedade e elevação e os demais valores de forma condigna e nobilitante.

 

2º - Fazendo-se instintiva a harmonia da classe, ela tende a se alargar amando a sinceridade e fraternalmente uns aos outros com naturalidade e simplicidade, espiritualmente confinados aos meios cristãos e à sistemática do centro, sem pretensão nem prepotência interna externamente para com os estranhos, todavia se abstendo ativamente às sessões e ao uso do mesmo veículo sagrado nas entidades congêneres em respeito às mesmas e a tradição do CECLU e do CICLU respectivamente em Porto Velho e em Rio Branco, ressalvando-se as razões cabíveis a critério superior.

 

3º - A revelia a esta norma implicará em argüição ou suspensão às funções que vai de 3 à 6 meses ou da suspensão ao uso do Daime, por igual período, e nas reincidências será redobrada a penalidade, com atenuante em casos especiais e se as circunstâncias forem ponderadas pelo Mestre Imperador.

 

4º - Inspirada nesse propósito, promoverá a entidade a igualdade com congêneres objetivando não competir com as mesmas nem usurpar-lhes os direitos para que os êxitos as bafejem igualmente, bem como o auxílio possível, conforme o caráter doutrinário que as definam e os pendentes.


(Fontes: Tese de doutorado em antropologia - doutora Arneide/RO)

 

Estas normas, dentre outras regras importantes do estatuto do Centro deixado pelo Mestre Irineu, definem com síntese os verdadeiros propósitos do Mestre para com seus filiados, bem como as regras disciplinares por ele definidas para a evolução verdadeira de seus seguidores na linha espiritual difundida através do Daime.

 

Observamos com clareza, a proibição decretada ao uso de inebriantes como a maconha e qualquer outro que possa abater a moral da personalidade humana. É vedado também aos seguidores dessa Doutrina tomarem o Santo Daime em centros que utilizam costumes diferentes dos princípios deixados pelo Mestre Irineu.

 

Fundamentando essas normas e decretos antes de seu falecimento, Mestre Irineu fazia uma projeção dos problemas que seu grupo de seguidores enfrentariam após sua ausência material. Na verdade, enquanto esteve presente na condução de seus trabalhos, apenas as perseguições dos grupos eclesiásticos e alguns seguimentos sociais perturbaram o perfeito ordenamento de seus trabalhos. Não há em nenhum momento registrado na sua trajetória, e na trajetória histórica de sua Doutrina, o envolvimento seu ou de algum seguidor de seus ensinamentos com elementos de natureza criminal. Houve nos 79 anos de sua história um verdadeiro equilíbrio administrativo e social.

 

Outras recomendações de caráter espiritual também foram deixadas pelo Mestre Irineu antes de seu falecimento:

 

SEU SUBSTITUTO NA DIREÇÃO DOS TRABALHOS / Relata Luiz Mendes - "Vou me ausentar, estou cansado, estou procurando um repouso. Eu olho para a irmandade, muita gente, mas não vejo uma pessoa para entregar esse trabalho. Tem o José das Neves, esse não dá. Tem o Leôncio. É tão magrinho! Justamente a primeira pessoa responsabilizada como dirigente foi o Leôncio passado ainda em vida pelo Mestre".

 

A CHEFIA DOS TRABALHOS NA DOUTRINA / Relata dona Percília Matos - "Eu não sinto dor, eu não sinto fome. Eu não sinto nada. O que eu sinto é não ter para quem entregar o meu trabalho. Leôncio, você vai tomar a direção dos trabalhos, você não vai ser chefe, a chefia é comigo mesmo. Mais fiquei aí para receber as pessoas, para ensinar a Doutrina e tudo bem. Escutas o que estou dizendo, não faças mais do que eu estou lhe entregando porque se alterar alguma coisa, você não vai resistir. Depois de 50 anos de trabalho é que ele foi receber o comando: Você é chefe. No céu e na terra e no mar. Para todos os efeitos. Todo aquele que se lembrar de você e chamar por você, de coração e confiar, receberá a luz".

 

Relata Daniel Acelino Serra - "Meus irmãos, quando eu faltar aqui, vocês se unam e vão trabalhar. Se unam e ninguém queira ser chefe, porque o chefe sou eu mesmo. Quando vocês precisarem de mim, formem a mesa, me chamem que eu estou aqui para indicar o que vocês precisarem. Unam-se e vão trabalhar".

 

A SUA DOUTRINA / Relata Júlio Carioca - "Eu vou sair e deixar uma doutrina pronta, sem precisar nem de um pingo no i".

 

Relata dona Cecília Gomes da Silva - "O Mestre dizia que essa doutrina vai ser dominadora do mundo, a palavra dele está vigorando eternamente, crescendo e multiplicando em todo o universo".

 

O DAIME / Disse o Mestre Irineu - Daime não é para existir aonde tem guerra. O Daime é paz, é harmonia, é amor, é verdade, é justiça. Na guerra tem bala. o Daime sou eu e eu sou o Daime".

 

SOBRE O HOMEM / Dizia Mestre Irineu: "Os teus atos e não os teus conhecimentos é quem determinam quem tu és".

 

A maior preocupação do Mestre Irineu em sua ausência material seria com a preservação dos trabalhos ordenados em sua doutrina e o comportamento de seus seguidores na administração da sessão. Ele melhor do que ninguém conhecia o grupo que doutrinou durante décadas. Dessa forma, além das regras disciplinares contidas no Estatuto do centro e no Decreto de serviço, Mestre Irineu constituiu a seguinte estrutura administrativa:

 

CONSELHO SUPERIOR E CONSTITUIÇÃO
Mestre IMPÉRIO JURAMIDÃ - Raimundo Irineu Serra
Mestre IMEDIATO - Leôncio Gomes da Silva
CONSELHEIRO - José Francisco das Neves

MEMBROS CONCILIARES
CLASSE DE PROVECTOS - Antônio José Rodrigues
CLASSE DE NOVIÇOS - José Lima da Silva
CLASSE DE LEIGOS - Luiz Mendes do Nascimento
CLASSE BENEMÉRITO - Emílio Furtado Mendonça

BENEMÉRITO - PROVECTO

Percilia Matos da Silva

 

A estes membros do Conselho Superior, de acordo as regras estatutárias, eram reservados os direitos de conciliar, deliberar sobre assuntos dogmáticos da instituição, dos quais eram prelados. Classificados como provectos - aqueles que progrediram e avançaram; e beneméritos - eram dignos de honras pelos relevantes trabalhos prestados. Nos chama atenção nesse contexto, dona Percília Matos, classificada como benemérita-provecta.

 

CONSELHO COMUNITÁRIO E CONSTITUIÇÃO
Presidente - Raimundo Irineu Serra; 
Secretário - João Rodrigues Facundes;
Tesouraria - Peregrina Gomes Serra;
Gestor - Francisco Grangeiro Filho; 
Monitor - Daniel Acelino Serra;
Zelador - Júlio Chaves Carioca.

 

A estes membros, como o próprio Mestre Irineu delegou em vida, eram reservados o direito de administrar, ensinar uma filosofia doutrinária estabelecida e pronta. Fica claro nessa linha administrativa organizada pelo Mestre Irineu, a definição de dois planos: O superior e o comunitário.

 

- SUPERIOR: representado pelo Mestre Império Juramidã, o Mestre Imediato e o Conselheiro;

 

- COMUNITÁRIO: representado pelo Conselho Administrativo coordenado pela ação de um presidente.

 

Ficava pautada mesmo com sua passagem para os planos espirituais, a sintonia entre o material e o astral - que foi uma constante nos 79 anos de vida do Mestre Irineu com sua professora espiritual Clara. Agora ele era o eterno professor que haveria de enviar suas mensagens e ordens espirituais do plano astral. São palavras suas: "O professor é o Daime e o livro é a palavra do Mestre" relatou o sr. Valcírio Genésio. "Tenho certeza no Divino Pai Eterno que eu fazendo uma curta viagem, fico atendendo vocês da mesma forma ou melhor ainda. Qualquer coisa vocês se reúnam, se unam, tomem Daime e me chamem. Pois aí eu estarei", relatou Luiz Mendes. A união, portanto, era a palavra chave da filosofia do grande Mestre, que passava a exercer total influência na vida comunitária e espiritual do grupo. Ainda com referência a organização de seus trabalhos, observemos os organogramas a seguir:

 

 

SEGUNDA FORMAÇÃO DO ESTADO MAIOR DE 1945 A 1971

1 - PEREGRINA GOMES SERRA
2 - ZULMIRA GOMES 
3 - PERCÍLIA MATOS
4 - LOURDES CARIOCA
5 - MARIA ZACARIAS
6 - ADÁLIA GRANGEIRO
7 - LEÔNCIO GOMES DA SILVA
8 - RAIMUNDO GOMES DA SILVA
9 - RAIMUNDO GONÇALVES
10 - DANIEL ACELINO SERRA
11 - GUILHERME GOMES DA SILVA
12 - FRANCISCO GRANGEIRO FILHO
13 - JÚLIO CHAVES CARIOCA
14 - FRANCISCO MARTINS
15 - LUIZ MENDES DO NASCIMENTO

 

MEMBROS DA COMISSÃO DE CURA

 

1 - PEREGRINA GOMES SERRA
2 - PERCÍLIA MTOS
3 - LOURDES CARIOCA
4 - ADÁLIA GRANGEIRO
5 - ZULMIRA GOMES
6 - LEÔNCIO GOMES
7 - RAIMUNDO GOMES DA SILVA
8 - JÚLIO CHAVES CARIOCA
9 - FRANCISCO GRANGEIRO FILHO

 

ESTRUTURA DE RITUAIS E TRABALHOS

CALENDÁRO OFICIAL DE HORÁRIOS, SESSÕES e FARDAMENTO

ABERTURA OFICIAL DOS TRABALHOS: 15 DE JANEIRO - Sessão de concentração, fardamento azul
10 DE FEVEREIRO - Hinário de aniversário do presidente Leôncio Gomes da Silva, fardamento oficial;
18 DE MARÇO - Hinário em louvor a Paixão de Cristo, fardamento azul;
23 DE JUNHO - Hinário em louvor a São João Batista, fardamento oficial;
06 DE JUNHO - Hinário de morte do Mestre Raimundo Irineu Serra, fardamento oficial;
01 e 02 DE NOVEMBRO - Hinário e Missa em louvor à Todos os Santos e Finados, fardamento azul;

FESTIVAIS DO FINAL DE ANO
07 DE DEZEMBRO - Hinário em louvor a Nossa Senhora da Conceição, fardamento oficial;
14 DE DEZEMBRO - Hinário em louvor ao aniversário do Mestre Irineu, fardamento oficial;
25 DE DEZEMBRO - Hinário de Natal, fardamento oficial;


ENCERRAMENTO DOS TRABALHOS: 05 DE JANEIRO - Hinário em louvor ao dia dos Santos Reis, fardamento oficial. Neste trabalho, todos os membros entregam seus trabalhos referentes ao ano anterior. São oferecidos ao Rei e a Rainha Universal.

O calendário de sessões de concentração aberto dia 15 de janeiro de cada ano tem encerramento no dia 30 de novembro.

 

HINÁRIOS OFICIALIZADOS PELO Mestre IRINEU

 

SANTO CRUZEIRO RAIMUNDO IRINEU SERRA

 

SOIS BALIZA GERMANO GUILHERME

 

06 DE JANEIRO JOÃO PEREIRA

 

MENSAGEIRO MARIA MARQUES VIEIRA

 

AMOR DIVINO ANTÔNIO GOMES DA SILVA

 

a) O SANTO CRUZEIRO - recebido pelo Mestre Irineu de 1912 à 1970, é o hinário base da doutrina, cantando nos dias: 10 de fevereiro, 18 de março, 23 de junho, 06 de julho, 07, 14 e 25 de dezembro e 05 de janeiro;

b) SOIS BALIZA - recebido por Germano Guilherme de 1934 à 1963, é cantado junto com o Santo Cruzeiro nas datas de: 23 de julho, 07 e 25 de dezembro e 05 de janeiro, como também na abertura do hinário de todos os Santos;

c) 06 DE JANEIRO - recebido por João Pereira de 1934 à 1952, é cantado oficialmente no hinário de todos os Santos e Finados;

d) MENSAGEIRO - de Maria Damião, foi recebido entre 1934 à 1942, é cantado oficialmente no hinário de todos os Santos e Finados;

e) AMOR DIVINO - de Antônio Gomes da Silva, foi recebido entre 1938 e 1946, é cantando oficialmente no hinário de todos os Santos e Finados.

 

Como já vimos anteriormente, essa corrente de hinos que formam os hinários oficializados pelo Mestre Irineu, conduzem a filosofia de ensinamentos da Doutrina do Daime. Cantando em louvores aos principais personagens da história cristã, esses hinos testemunham a história de vida do Mestre Irineu, bem como a formação de sua comunidade espiritual, rituais e as formas de trabalhos aqui estabelecidas, desenvolvendo através de seu baile e cântico, um verdadeiro processo de disciplina e evolução humana, alicerçada ao poder de forças espirituais do Santo Daime e todo o seu universo de mistérios e luzes. Os rituais da Doutrina do Santo Daime podem ser considerados mágicos no sentido de belezas e riquezas espirituais contidos em suas execuções. Porém, são desenvolvidos com a mais perfeita harmonia e equilíbrio humano, sintonizados com uma linha de trabalho Soberana e Divina. Há em todo esse processo o estabelecimento de uma filosofia de vida desencadeada a cada consciência humana presente.

 

A CONVIVÊNCIA EM GRUPO COMO BASE DE SUSTENÇÃO

 

No princípio, quando estudamos as origens dessa doutrina, falamos de suas referências com a Civilização Inca, aprofundando nossos conhecimentos com base no pensamento dos Huacas - civilização de maior referencial de culto histórico-popular. Não nos resta dúvidas diante das afirmações históricas de que essa doutrina tenha se originado através dessa ancestral civilização. Mestre Irineu deixa evidências suficientes na sistematização de seus trabalhos, para afirmarmos o Santo Daime como uma Doutrina Inca aperfeiçoada através dos tempos, em processo que nos referimos como mágica transladação de épocas.

 

A convivência em grupo como base de sustentação do homem é uma dessas evidências claras que relacionam a doutrina do Santo Daime com os Incas. Mestre Irineu também utilizou dessa sistemática para o trabalho e o aperfeiçoamento de seus seguidores. Ao mudar-se para o Alto Santo, em 1945, implantou seu sistema adjunto cooperativista, associando o trabalho espiritual com a terra e o homem. Adjuntos de até 60 homens foram realizados pela sua força administrativa que garantia, ao mesmo tempo, a sustentação das famílias e de seus trabalhos espirituais.

 

Esse pensamento Mestre Irineu deixou muito bem claro também, quando institucionalizou sua Doutrina, colocando como alvo a seus seguidores, a evolução dos valores pátrios, à coletividade e os costumes, compartilhando os sacrifícios e alegrias coletivas, ajudando a contornar situações e a preparação individual, útil à coletividade e à pátria, todavia levando o espírito de modéstia, altruísmo e polidez. Sobriedade e elevação e os demais valores de forma condigna e nobilitante.

 

Nessa relação, o espírito superior do Mestre Irineu atuou na reação entre homem e a natureza desencadeando através do Plano Celestial a ele ordenado, uma série de manifestações positivas que facilitaram o ordenamento de seus trabalhos e garantiram o pão de cada dia a todos que o cercavam com fidelidade. É o universo do Santo Daime criado e ordenado em diferentes planos e distintas funções. Essa força regulamentadora, ao mesmo tempo em que atua na manifestação positiva para o perfeito equilíbrio do homem, também transborda luz ao universo e tudo que nele se cria.

 

Com simplicidade, o conjunto de dogmas e princípios dessa doutrina nos leva a afirmá-la como uma seita - um grupo de seguidores da Filosofia Raimundo Irineu Serra. Neste ponto ela difere das demais religiões, porque não utiliza o nome de Jesus Cristo como um produto de mercado, muito menos, a imagem de um interlocutor que vive pregando aquilo que ele próprio não estabelece como regras disciplinares em sua vida. "Ele mostrou que sendo ele o Mestre, era o primeiro que trabalhava", afirma dona Peregrina Serra.

 

A Doutrina do Santo Daime fala da existência de um criador presente no universo, no sol, na lua, nas estrelas, a terra, o vento, o mar e nosso corpo e alma. Seus rituais direcionam o verbo divino de forma objetiva e de fácil assimilação, trabalhando a própria consciência do homem, sem discussões dogmáticas que acabam confundindo o pensamento humano.

 

É uma escola de civismo, com instrução divina para o caminho do bem, como bem definiu Mestre Irineu no Decreto de Serviço. Assim como qualquer outra religião, o que se busca é a atenção, a dedicação e o esforço de cada homem à palavra de Deus, o caminho do bem pregado por Jesus Cristo, que como um planeta habita em nosso "eu interior". De linguagem universal, a filosofia ensinada pelo Mestre Irineu penetra dentro de nosso íntimo aperfeiçoando nossas técnicas de vida e modificando nossa personalidade. O homem disciplinado pela faculdade divina do Santo Daime, aprende a respeitar sua pátria e amá-la como terra e mãe criadora. É cívico cumpridor das leis constitucionais. Essa com certeza é uma das maiores colaborações que essa Doutrina vem prestando ao longo dos anos aos poderes públicos constituídos e à sociedade de modo geral.

 

Nesse princípio de novo milênio, quando o homem ainda busca caminhos para suas adversidades, a Doutrina do Santo Daime surge como uma das maiores avenidas para a harmonia, o amor, a verdade e a justiça que tanto clamam nossa sociedade. Mestre Irineu e todo seu corpo de conselheiros, continuam trabalhando na esperança de um dia... todos nós de grande à pequeno podermos nos transformar na defesa de nossa natureza, na formação de famílias e em nossa verdadeira dedicação a verdade suprema que é Deus e sua infinita onipotência. Resta-nos apenas a Boa Vontade, um passo para a salvação que está todos os dias batendo dentro de nossos corações. Deus é a filosofia eterna, infinita e verdadeira...