Matéria publicada no jornal Folha de São Paulo em 15.11.2004, página C4, assinada por Iuri Dantas.
O
governo federal recebeu da ONU (Organização das Nações Unidas) um relatório
preliminar indicando que o organismo emitirá parecer favorável ao consumo de
ayahuasca na forma de chá em cerimônias religiosas. No Brasil, o Santo Daime, a
União do Vegetal e a Barquinha, entre outros, consomem o chá.
“Há um
parecer preliminar da junta de entorpecentes da ONU de que a planta, por não
estar contida na relação de plantas proibidas da convenção de 1971, o chá
também não merecer restrição para fins da convenção”, disse o general Roberto
Uchoa, secretário nacional Antidrogas.
A
postura da ONU coincide com a decisão tomada pelo Conselho Nacional de Drogas
que, na semana passada, aprovou resolução estabelecendo prazo de seis meses
para que especialistas estudem o uso ritualístico, cadastrem usuários e
organizações e proponham um controle social do chá. A ONU vem estudando a
ayahuasca e outras plantas utilizadas em cerimônias religiosas, como o peyote,
há alguns anos. No início da década, usuários brasileiros de ayahuasca
participaram de reuniões com técnicos da organização para contar como é o uso
da planta no país.
O
parecer positivo da ONU servirá para tornar mais flexíveis legislações
nacionais de países da Europa e da América do Norte, que não toleram a entrada
de brasileiros com tonéis de chá. Não há previsão para a emissão do parecer
final do organismo.
Similar
a um cipó, a ayahuasca é usada desde o século passado na forma de chá. O
primeiro a usar a ayahuasca foi o Santo Daime, originário da região conhecida
como Céu do Mapiá, no Acre. O nome da organização vem do verbo dar, citado nas
orações em pedidos a Deus: “dai-me luz”, “dai-me amor”, “dai-me paz”.
O uso
do chá em cerimônias religiosas é não só permitido como recomendado desde 1986,
pelo extinto Conselho Federal de Entorpecentes. Embora não possua substâncias
psicotrópicas na origem, o chá possui DMT (Dimetiltriptamina), que provoca
alterações na consciência. Segundo os seguidores, o chá de ayahuasca promove
uma conexão com o mundo místico, povoado por seres da floresta, alienígenas,
santos católicos e outras dimensões. As visões são chamadas “miração”.
Na
semana passada, foi publicado no “Diário Oficial” da União uma resolução do
Conselho Nacional Antidrogas reafirmando a legitimidade jurídica do consumo do
chá e criando um grupo de trabalho para estudo e pesquisa.
Segundo
Uchoa, o fato de a substância ser utilizada em cerimônias contribui para a
tolerância. “Como se trata de uma religião, e a Constituição do Brasil respeita
e garante o exercício do culto, e vai continuar garantindo, a sociedade
brasileira já não abre mais mão de algumas cláusulas pétreas”, afirmou em entrevista.
Durante
seis meses, o grupo de trabalho vai avaliar se há riscos depois de tomar o chá,
por exemplo, e analisar pedidos de pesquisa científica sobre a ayahuasca. Uma
das metas do grupo é verificar se a planta possui alguma capacidade terapêutica
e pode ser usada como remédio, por exemplo. “Ainda não há nenhum estudo
científico que conclua sobre os efeitos no organismo. Isso vai ser feito
agora”, diz Paulina Vieira Duarte, diretora de Prevenção e Tratamento da Senad.
O
grupo de trabalho será composto por 12 membros, sendo seis deles usuários de
ayahuasca. Ao fim do trabalho, será elaborado um cadastro nacional das
instituições que usam a planta.