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Sou a mais velha, tenho 61 anos, nasci em 3 de janeiro de 1946. Eu morava em Brasiléia, papai se mudou para cá. Com pouco tempo ele comprou tudo isso aqui. Tudo era seringal. Assim foi que chegamos no Seringal Saituba. Foi quando eu comecei a adoecer. A doença pegou em mim. Antigamente, quando nós estávamos carregando galinha à noite com papai, com o serambim (candeeiro a base da queimada de borracha) aceso no varodouro (caminho na mata), aí caiu um pingo de serambim no meu pé. Aquilo ali sarou. Logo depois papai matou um veado-roxo e eu comecei a comer. Assim, ao redor daquela pelinha começou a coçar, e eu amostrei para a mamãe. “Mamãe, espia isso aqui, está cheio de bolinha de fogo ao redor.” Mamãe disse: “Isso aí é da queimadura”. Que queimadura foi essa, que foi subindo, coçando, subindo, e quando a bolha já estava na minha perna mamãe me levou para o Mestre Irineu. Chegou lá mostrou pra ele.  E ele disse assim: “Se eu soubesse que era isso aí, não deixava essa doença engolir o seu corpo. Tinha atinado há mais tempo, pensei que era uma feridinha besta. Dê daime pra ela”.


Mas eu tomando daime o tempo todo, a doença invadiu e tomou o meu corpo todo. Fiquei na palha da bananeira. Passei doente doze anos. Mamãe tirava a palha da bananeira arrancando o couro (pele), e eu aos gritos. E o Mestre mandando eu tomar daime e banhos de folha. Mamãe fazia banhos de urtiga, capeba, só vivia atrás de erva pra fazer o pó. Mestre Irineu fazia garrafadas de laranja da terra que amargava. Passei muito tempo tomando. Tinha um médico muito amigo do Mestre Irineu, que passou umas “sulfas” pra mim. Passei foi muito mais de ano tomando sulfas, hoje em dia não existe mais não. Depois deixou de me dar, e eu só vivia reclamando. Mestre Irineu disse: “Não se incomode não, que eu vou tomar um daime , e e vou conversar com a Rainha para encontrar um remédio pra lhe curar. Um dia eu cheguei na casa do padrinho e perguntei: “Que tal, já saiu o remédio, padrinho?” “Você está é avexada, não  tá?” “Padrinho, eu queria era ficar boa”. “Você vai ficar boa”. Até que um dia eu cheguei lá de novo. “E aí padrinho, já saiu?” “Já achei o seu remédio, que a Rainha passou pra mim é pra você fazer o sumo da cidreira com três pingos de querosene e beber, e tomar uns banhos com daime.


Ele me deu um litro de daime, e mandou eu ir pra mata tomar banho com aquele daime. Saí me lavando. O que ele me mandou eu fazer, eu fiz, com o daime. Foram três vezes, três banhos. Passei um tempo bebendo, não me lembro bem, foi mais quase um ano.
Um dia Mestre Irineu disse que conversou com a Rainha. Ela disse é que tem outro remédio para você. Dizer três palavras gritando dentro da mata virgem, nua, sozinha. Ele me deu as três palavras em um papel e mandou papai me deixar lá dentro da mata onde mais nunca eu andasse por ali, naquele canto. Papai foi me deixar. Quando chega um certo meio, ele brocou o caminho e disse: “Você vai e volta, vai ter um lugar limpo, você fique lá.” Ele não podia ir não. Só eu mesmo, assim, ele foi até um ponto. Ali no lugar, limpo por papai, eu deixei a roupa e deixei, e segui nua. No corredor do pau (árvore), nua, eu peguei o papel que o Mestre Irineu tinha me dado e disse aquelas três palavras gritando bem alto. Alto mesmo, o tanto que eu pude gritar. Não me lembro mais as palavras que ele me deu. Quando estava nas três vezes e fui terminando de dizer a palavra, junto do pau que era cheio de cipó, começou um negócio mexendo. Não era para eu ter medo. Comecei a espiar, espiando pro pau e um negócio se mexendo, vinha descendo e eu me fazendo que estava com coragem.


Eu só pensava: “Padrinho me mandou eu vir pra cá.” E lá se vem o negócio descendo, lá vem se mexendo. Depressa fui terminando as palavras, terminei de rezar, não olhei pra trás e corri até onde estava a minha roupa. Peguei a roupa, e depressa saí na carreira até chegar no varadouro. Era onde papai deixou o caminho limpo do roçado. Na mata ele fez só o caminhozinho para eu passar. Quando eu cheguei lá no caminho, vesti a minha roupa e saí na carreira com medo do bicho que estava se mexendo lá no pau. Contei pra papai. Não era pra eu ter medo. Esse foi o remédio que Mestre Irineu fez pra mim. Foi o banho com três litros de daime que tomei três vezes, querosene com erva cidreira e as três palavras. Fui tomando devargarzinho, devagarzinho, foi se acabando e fiquei assim boa. Nunca deixei de tomar daime. Padrinho disse que eu não parasse de tomar daime. O meu corpo era tudo branco, bem branco. A mão branca, branca mesmo, os pés também, tudo da doença. Pois é, não parei de tomar daime não, todo dia tomava de noite e de manhãzinha. É por isso que dona Zulmira cansou de dizer: “Tu devia fazer uma história da tua vida, o que tu passou. É incrível o que tu passou na tua vida, só quem te viu é que vai dizer que é verdade. Quem não te viu, vai dizer que é mentira. O que tu passou, o que tu sofreu, ninguém acredita não, é incrível.”


Muita gente que me vê hoje na sede fala: “Essa menina que era doente e ficou boa. E agora é a mais velha e a mais nova de todas.” Antes de ficar boa, ainda foi no tempo que eu comecei a namorar com Mário. Eu fui uma pessoa que namorou pouco, porque eu era toda rajada. Mário foi o Mestre que me deu. Foi o único que teve coragem de casar comigo. Eu ainda tinha coceira quando eu saí gestante do primeiro menino. Aí eu fiquei toda entabuada de novo, meus dedos eram tudo cheio daquelas bolhonas d’água. Elas pocavam, eu não fazia nada em casa, meus dedos tudo cheio de pus. Fiquei assim até ganhar o primeiro filho. Quando eu ganhei o primeiro filho, que evacuei aquele sangue, o Mestre cansou de dizer: “Minha filha você só vai acabar de ficar boa, limpa mesmo, quando casar e começar a ter filho, é que vai evacuando aquele sangue. Vai tirando aquele sangue remoso, é quando você vai se limpar.” E não foi mesmo? Quando a menstruação estava perto de vir, entaboava todo o meu corpo. Quando a menstruação ia embora, ficava limpa de novo. Do jeito que o Mestre Irineu dizia. Tive o segundo, só no terceiro filho foi que saiu bem pouquinho os carocinhos, no quarto não saiu mais. Hoje eu sou mãe de nove filhos. Do quarto em diante não saiu mais. Fiquei boa do jeito que ele disse.


Sofri, sofri que não foi brincadeira, doze anos sofrendo, desenganada de tudo que foi médico de Rio Branco. Até médico que vinha de São Paulo. Aí papai me levava e tirava do Mestre Irineu e lá começava a passar remédio e mais remédio, mas ficava na mesma e aí papai disse: Vou morrer, ou viver, não tiro mais do Mestre Irineu não.” E lá mesmo eu fiquei (na casa do Mestre). Morei lá com ele bem uns três anos. Porque era muito longe a casa do meu pai no Saituba para o Alto Santo.