Diversidade religiosa e direitos humanos
“Ninguém nasce odiando outra pessoa pela cor de sua pele, por sua
origem ou ainda por sua religião. Para odiar, as pessoas precisam aprender; e,
se podem aprender a odiar, podem ser ensinadas a amar.
(Nelson Mandela)
Presidente da
República
Luiz Inácio Lula da Silva
Secretário
Especial dos Direitos Humanos
Nilmário Miranda
Subsecretário
de Promoção e Defesa dos Direitos Humanos
Perly Cipriano
Presidência da
República
Secretaria Especial dos Direitos Humanos
Esplanada dos Ministérios, Bl. T, Edifício Sede, 4º
andar, 700064-900 Brasília, DF
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www.presidencia.gov.br/sedh
Copyright: Secretaria Especial dos Direitos Humanos
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reprodução total ou parcial da publicação
devendo citar
menção expressa na fonte de referência
Impresso no Brasil em novembro de 2004
Distribuição gratuita
Convênio: Centro Popular de Formação
da Juventude (Vida & Juventude)
Tiragem: 25 mil exemplares
Texto: José Rezende Jr.
Coordenação: Fernando de La Rocque Couto
e Daniel Seidel
Consultores: Antônio Olímpio de
Sant’Ana,
Carlos Alberto Silva, Carlos Alves Moura e César
Bastos
Colaboração: Célia Gonçalves Souza,
Elianildo Nascimento, César Fernandes e
Roberto Costa Araújo.
Projeto
Gráfico:
Eduardo Carvalho de Almeida Filho
Apoio:
Comissão Ecumênica Nacional de Combate ao Racismo
(Cenacora)
Centro Nacional de Africanidade e Resistência
(Cenarab)
Conselho Nacional de Igrejas Cristãs do Brasil
(Conic)
Centro de Referência à Discriminação Religiosa (CRDR)
Iniciativa das Religiões Unidas (URI)
Movimento Inter-Religioso do Rio de Janeiro (MIR/RJ)
Conselho Nacional de Ensino Religioso (Conar)
Agradecimentos:
Ministério das
Relações Exteriores (MRE)
e Secretaria Especial de
Promoção da Igualdade Racial (Sepir)
apresentação
O Estado Brasileiro é laico.
Isso significa que ele não deve ter, e não tem religião. Tem, sim, o dever de
garantir a liberdade religiosa. Diz o artigo 5º, inciso VI, da Constituição: “É
inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre
exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos
locais de culto e a suas liturgias.” A liberdade religiosa é um dos direitos
fundamentais da humanidade, como afirma a Declaração Universal dos Direitos
Humanos, da qual somos signatários.
A pluralidade, construída
por várias raças, culturas, religiões, permite que todos sejam iguais, cada um
com suas diferenças. É o que faz do Brasil, Brasil. Certamente, deveríamos,
pela diversidade de nossa origem, pela convivência entre os diferentes, servir
de exemplo para o mundo. No Brasil de hoje, a intolerância religiosa não produz
guerras, nem matanças.
Entretanto, muitas vezes, o
preconceito existe e se manifesta pela humilhação imposta àquele que é “diferente”.
Outras vezes o preconceito se manifesta pela violência. No momento em que
alguém é humilhado, discriminado, agredido devido à sua cor ou à sua crença,
ele tem seus direitos constitucionais, seus direitos humanos violados; este
alguém é vítima de um crime – e o Código Penal Brasileiro prevê punição para os
criminosos.
Invadir terreiros de umbanda
e candomblé, que, além de locais sagrados de culto, são também guardiães da
memória de povos arrancados da África e escravizados no Brasil; desrespeitar a
espiritualidade dos povos indígenas, ou tentar impor a eles a visão de que sua
religião é falsa; agredir os ciganos devido à sua etnia ou crença, mesmo motivo
que os levou ao quase extermínio na Europa, durante a Segunda Guerra Mundial:
tudo isto é intolerância, é discriminação contra religiões. É o contrário do
que pretende o Programa Nacional dos Direitos Humanos.
O programa Nacional dos
Direitos Humanos pretende incentivar o diálogo entre os movimentos religiosos,
para a construção de uma sociedade verdadeiramente pluralista, com base no
reconhecimento e no respeito às diferenças.
A presente cartilha, Diversidade Religiosa e Direitos Humanos,
é resultado de quase um ano e meio de um trabalho que contou com a participação
de várias religiões, e que não se esgota aqui (outras colaborações podem ser
conferidas no site www.presidencia.gov.br/sedh). Esta cartilha é a continuidade
das muitas ações de homens e mulheres de boa vontade e diferentes crenças, que,
com suas palavras e seu atos, pretendem construir um país, um mundo melhor. Um
país e um mundo em que ninguém sofra ou pratique injustiça contra seu
semelhante. Um mundo e um país de todos.
Ministro Nilmário Miranda
(Secretaria
Especial dos Direitos Humanos)
Direitos
Humanos Amor A Deusa
Alá O Grande Espírito Javé Justiça
Brahman Juramidã Paz Deus
O Arquiteto do Universo Amor
O
Grande Espírito Fraternidade
Olorum Paz Deus Harmonia Tupã
Brahman
O Arquiteto do Universo
Javé Justiça Fraternidade Paz
Tupã
Solidariedade Alá Deus
Ñand ru A Deusa Javé Justiça
Juramidã
Paz Direitos Humanos
Direitos Humanos Amor A Deusa
Alá
O Grande Espírito Javé Justiça
Brahman Juramidã Paz Deus
O
Arquiteto do Universo Amor
O Grande Espírito Fraternidade
Olorum
Paz Deus Harmonia Tupã
Brahman O Arquiteto do Universo
Javé
Justiça Fraternidade Paz
Tupã Solidariedade Alá Deus
Alá Ñand ru Paz
Direitos Humanos
declaração
universal
dos direitos
humanos
Art. XVIII
Toda pessoa tem o direito à liberdade de pensamento, consciência e
religião; este direito inclui a liberdade de mudar de religião ou crença e a
liberdade de manifestar essa religião ou crença, pelo ensino, pela prática,
pelo culto e pela observância, isolada ou coletivamente, em público ou em
particular.
Deus quer que seus filhos e
filhas vivam em Paz, como irmãos e irmãs. Ou: Alá quer que seus filhos e filhas
vivam em Paz, como irmãos e irmãs. Ou então: Javé quer que seus filhos e filhas
vivam em Paz, como irmãos e irmãs. Ou ainda: Olorum quer que seus filhos e
filhas vivam em Paz, como irmãos e irmãs.
Deus, Alá, Javé, Olorum, O Grande Espírito, A Deusa,
Brahman... São muitos os nomes pelos quais os seres humanos chamam o Criador.
Mas a vontade dEle é uma só: que seus filhas e filhas vivam em Paz, como irmãos
e irmãs.
Se é esta a vontade do Criador, quem somos nós para
desafiá-la? E, no entanto, nós a desafiamos. Todas as vezes que discriminamos
nosso semelhante porque ele pensa diferente, ou faz suas preces de maneira
diferente, ou chama o Criador por um nome diferente, nós desafiamos a Sua
vontade. Porque Ele deu a seus filhos e filhas a maior de todas as graças: a
capacidade de pensar. De pensar livre. De pensar diferente.
Quem somos nós, então, para
desafiar a vontade do Criador? E, no entanto, nós a desafiamos. Discriminamos,
ofendemos, praticamos atos de violência contra nosso semelhante, com a desculpa
de que ele é “diferente”. Foi assim no princípio dos tempos. É assim nos dias
de hoje, neste milênio que mal começou.
Às vésperas do início deste século XXI, em agosto do ano 2000, atendendo ao chamado da Organização das Nações Unidas (ONU), centenas de representantes das diferentes religiões do planeta entenderam que a chegada do novo milênio era uma boa oportunidade, mais uma, para nos amarmos como irmãos e irmãs. E de darmos as mãos pela Paz na Terra.
Reunidos em Nova York, no
Encontro de Cúpula Mundial de Líderes Religiosos e Espirituais pela Paz
Mundial, lideranças evangélicas, católicas, budistas, judaicas, islâmicas,
espíritas, hinduistas, taoístas, bahá’is, esotéricas e de tantas religiões
antigas e modernas firmaram um compromisso. O
Compromisso com a Paz Global.
O documento começa com uma
série de considerações, sobre as quais vale a pena refletirmos:
· as religiões têm contribuído
para a Paz no mundo, mas também têm sido usadas para criar divisão e alimentar
hostilidades;
· o nosso mundo está assolado
pela violência, guerra e destruição, por vezes perpetradas em nome da religião;
· não haverá Paz verdadeira
até que todos os grupos e comunidades reconheçam a diversidade de culturas e
religiões da família humana, dentro de um espírito de respeito mútuo e
compreensão.
A partir dessas
considerações, os líderes religiosos e espirituais do mundo inteiro se
comprometeram, entre outras medidas, a:
· condenar toda violência
cometida em nome da religião, buscando remover as raízes da violência;
· apelar a todas as
comunidades religiosas e aos grupos étnicos e nacionais a respeitarem o direito
à liberdade religiosa, procurando a reconciliação, e a se engajarem no perdão e
no auxílio mútuos;
· despertar em todos os
indivíduos e comunidades o senso de responsabilidade, compartilhada entre
todos, pelo bem-estar da família humana como um todo, e o reconhecimento de que
todos os seres humanos – independentemente de religião, raça, sexo e origem
étnica – têm o direito à educação, à saúde e à oportunidade de obter uma
subsistência segura e sustentável.
O Compromisso com a Paz Global não é, portanto, apenas de nossos
padres, pastores, rabinos, imãs, monges, mestres, sacerdotes e sacerdotisas,
ialorixás e babalorixás, pajés... Ele é de todos nós. O compromisso pela Paz
não diz respeito somente aos grandes conflitos religiosos, às guerras, às
matanças em geral, à violência entre católicos e protestantes na Irlanda, entre
mulçumanos e judeus no Oriente Médio, entre hindus e mulçumanos na Caxemira
(fronteira da Índia com o Paquistão).
O compromisso pela Paz
tampouco diz respeito apenas às tragédias de um passado antigo: o sangue
derramado por cristãos e mulçumanos durante as Cruzadas; os negros
escravizados, torturados e assassinados no Brasil Colonial, sob a falsa
acusação, também feita aos índios, de que não possuíam alma, os seguidores da
Fé Bahá’í trucidados na antiga Pérsia (atual Irã); os judeus mortos ou
convertidos pela força durante a Inquisição; as mulheres queimadas vivas pelo
“crime” de “bruxaria”, simplesmente por cultuarem as sagradas forças da natureza;
os índios, dizimados, escravizados e catequizados, sem que o catequizador
entendesse e respeitasse a sua espiritualidade diferente.
A intolerância religiosa não
está distante de nós, no tempo e no espaço. Não podemos simplesmente fechar os
olhos e lavar as mãos. Nosso compromisso com a Paz na Terra começa no nosso
dia-dia. Dentro de nossa própria casa. Ao nosso redor. No relacionamento com
nosso próximo. Na maneira como respeitamos ou deixamos de respeitar aquele
nosso semelhante que, graças à infinita sabedoria do Criador, nasceu com a capacidade
de pensar livremente. E, portanto, de pensar diferente.
Quantos de nós já não
sofreram algum tipo de preconceito simplesmente por professar ou não uma fé? O
preconceito sempre existe, ele vive à espreita, ele se manifesta às vezes pela
humilhação, às vezes pela violência. Contra qualquer um de nós. Por isso, é tão
necessário seguirmos todos a regra de ouro da fraternidade, comum a quase todas
as religiões: Não façamos ao outro o que não queremos que seja feito a nós
mesmos.
Nosso compromisso com a Paz
na Terra diz respeito a seguir ou não a vontade do Criador, a amar ou não amar
nosso próximo, e amar nosso próximo ainda que ele pense diferente de nós,
significa antes de tudo respeita-lo, e trabalhar para que esse nosso próximo
tenha garantidos seu diretos à saúde, à educação, ao trabalho, à liberdade de
ir e vir e de pensar. Enfim, nosso compromisso com a Paz na Terra significa
zelar para que todos tenham direito à grande obra do Criador: a VIDA!
constituição
brasileira
Art. 5°, inciso VI
É inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o
livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção
aos locais de culto e suas liturgias.
Por que temos religião? Ora,
temos religião porque somos seres humanos, e porque respiramos. Ou então: Temos
religião porque o Criador determinou que tivéssemos, e é nosso dever seguir a
Sua vontade. Ou ainda: temos religião porque é ela quem nos liga de novo e sempre ao Criador, e é
por isso que se chama religião. Ou
porque acreditamos que a religião é o maior de todos os meios para a Paz no
mundo e o contentamento para todos os que nele habitam.
Ou, simplificando: Temos
religião porque assim decidimos, porque está entre os nossos direitos sagrados
e humanos ter ou não ter religião, e não cabe aos homens, nem aos governos
exigirem que tenhamos esta ou aquela, ou que não tenhamos nenhuma.
Este é um assunto meu, entre
a minha consciência, entre o meu espírito e o Criador. O que cabe aos outros
seres humanos, aos meus irmãos e irmãs, é respeitar a minha escolha. O que cabe
aos governos é garantir a minha liberdade de escolha.
A liberdade religiosa é tão
importante para todos nós que está entre os direitos fundamentais do homem, merecendo
referência específica tanto na Declaração Universal dos Direitos Humanos
(artigo XVIII), assinada em 1948, quanto na Constituição Brasileira (artigo 5°,
inciso VI), promulgada em 1988.
É fundamental, mas, ao mesmo
tempo, tão desrespeitada a liberdade religiosa no mundo inteiro que em vários
momentos da história os líderes espirituais e religiosos se reúnem para firmar
um compromisso pela Paz, como fizeram no ano 2000, em Nova York. Mas o primeiro
evento inter-religioso oficial aconteceu ainda no século XIX, em 1893, em
Chicago, com a participação de líderes de apenas 16 religiões. Em 2004, em Barcelona, já eram centenas as
religiões presentes ao encontro promovido pelo Parlamento das Religiões do
Mundo. Além do Parlamento, também a Iniciativa das Religiões Unidas (URI) se dedica ao diálogo inter-religioso no
mundo, aos Direitos Humanos e à cultura da Paz, reunindo 88 tradições
espirituais.
No Brasil, a liberdade
religiosa também é tão fundamental e desrespeitada que há sempre homens e mulheres
de boa vontade e diferentes crenças trabalhando juntos como agora, nesta
cartilha sobre Diversidade Religiosa e Direitos
Humanos. Ou em tantos outros movimentos que reúnem católicos, evangélicos,
representantes indígenas e das religiões afro-brasileiras, mulçumanos, judeus,
taoístas, espiritualistas, budistas, hinduístas, xintoístas, esotéricos...
Todos unidos por uma causa justa: combater a discriminação e a intolerância e
lutar por melhores condições de vida para todos.
Ao final da IX Conferência
Nacional de Direitos Humanos (Brasília, 2004), representantes dos diversos setores
religiosos do Brasil assinaram o seguinte documento: “Declaramos a necessidade
de se buscar, por meio do diálogo inter-religioso, a valorização do ser
enquanto sujeito de sua própria história, independente de credo religioso.
Somos unânimes em repudiar qualquer ato de perseguição e intolerância
religiosa.”
É fundamental que o diálogo
entre as religiões, em defesa dos Direitos Humanos, no Brasil e no mundo, seja
sempre ampliado. Porque no exato momento em que você lê esta cartilha, há um
ser humano sofrendo algum tipo de discriminação, perseguição ou até mesmo violência
física, no Brasil e no mundo, numa pequena cidade do interior, numa aldeia ou
numa metrópole – pelo simples fato de pensar e agir de acordo com sua crença.
E aqueles que discriminam,
perseguem e praticam violência contra seu semelhante dirão agir assim em nome
do Ser em que acreditam. Quando, na verdade, o Criador quer exatamente o
contrário: que seus filhos e filhas vivam em Paz, como irmãos e irmãs.
Programa
Nacional
Dos direitos
Humanos
Proposta 110
Prevenir e combater a intolerância religiosa, inclusive no que diz
respeito a religiões minoritárias e a cultos afro-brasileiros.
Diferentes religiões ensinam
que o homem foi criado à imagem e semelhança do Criador. Algumas tradições
afirmam que o Criador fez esse primeiro homem com punhados de terra de todas as
cores, a fim de nos ensinar que todas as raças são, na verdade, uma só, e todos
os seres humanos são iguais em valor, independentemente da cor de sua pele.
“Sou negro, branco, amarelo, vermelho, mestiço...”, dizia Gandhi, o grande
líder que pregava a Paz e a igualdade entre os seres humanos e se valeu da
não-violência na luta vitoriosa pela independência da Índia.
Um dos maiores líderes
pacifistas da história da humanidade, Mahatma (“Grande Alma”) Gandhi era hinduísta,
mas, como bom exemplo do diálogo entre as religiões, amava o Sermão da
Montanha, no qual Jesus anunciou: bem-aventurados os misericordiosos, os obreiros
da Paz, os justos, os que fazem o bem, os que sofrem perseguição.
Ele próprio, Gandhi, por sua
vez, nos ensinou: “Uma civilização é julgada pelo tratamento que dispensa às
minorias”.
Seremos dignos das
bem-aventuranças? Temos sido misericordiosos e justos? Mereceremos absolvição
quando formos julgados pelos nossos atos para com os humildes, os que sofrem
perseguição, as minorias?
A desproporção entre
cristãos (maioria da população brasileira) e seguidores de religiões tidas como
“minoritárias” é tão grande que a Proposta 110 do Programa Nacional dos
Direitos Humanos, implantado em 1996, é exatamente “prevenir e combater a
intolerância religiosa, inclusive no que diz respeito a religiões minoritárias
e a cultos afro-brasileiros”.
Além da vontade do Criador e
das leis terrenas, o respeito pelas minorias é, também, uma questão de bom senso.
Até porque quem é maioria aqui pode virar a minoria logo ali na outra esquina.
Maioria no Brasil, os cristãos são a minoria em países como a Indonésia, por
exemplo. Mais uma vez, a regra de ouro da fraternidade: não façamos ao outro o
que não queremos que seja feito a nós mesmos.
Preocupada com os constantes
conflitos religiosos no mundo, a Organização das Nações Unidas (ONU) proclamou,
em 1981, a Declaração sobre a eliminação
de todas as formas de intolerância e discriminação fundadas em religião ou crença.
“Toda pessoa tem direito à
liberdade de pensamento, de consciência e de religião. Este direito inclui a
liberdade de ter uma religião ou qualquer crença de sua escolha, assim como a
liberdade de manifestar sua religião ou crença, individual ou coletivamente,
tanto em público quanto em particular”, diz o primeiro artigo da Declaração da
ONU, para, mais adiante, advertir:
“A discriminação entre seres
humanos por motivos de religião ou crença constitui uma ofensa à dignidade
humana (...) e deve ser condenada como uma violação dos Direitos Humanos e das
liberdades fundamentais, proclamados na Declaração Universal dos Direitos
Humanos.”
No Brasil, o artigo 33 da
Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, prevista no texto da
Constituição de 1988, determina que a educação religiosa nas escolas públicas
assegure “o respeito à diversidade cultural religiosa do Brasil, vedadas
quaisquer formas de proselitismo”. Ou seja: é obrigatório respeitar a liberdade
religiosa do aluno; é proibido tentar convertê-lo para esta ou aquela religião.
O Código Penal Brasileiro,
por sua vez, considera crime (punível com multa e até detenção) zombar publicamente
de alguém por motivo de crença religiosa, impedir ou perturbar cerimônia ou
culto, e ofender publicamente imagens e outros objetos de culto religioso.
Mas a intolerância está aí,
a desafiar a lei dos homens e a vontade do Criador. E as religiões
afro-brasileiras têm sido as principais vítimas dessa intolerância.
Terreiros de umbanda e
candomblé são os locais de culto das religiões de matriz africana. São,
portanto, tão sagrados quanto qualquer outro templo, de qualquer religião. E,
no entanto, esses terreiros têm sofrido constantes ataques, em diversos pontos
do Brasil. Objetos de cultos são destruídos, seguidores de umbanda e candomblé
chamados de “adoradores do diabo” e suas celebrações e festas religiosas
interrompidas, de forma desrespeitosa, por pessoas de outras religiões.
Para os seguidores da
umbanda e do candomblé, é bom repetir, o terreiro é um templo sagrado. Ninguém,
de nenhuma religião, gostaria que tal violência fosse cometida contra seu
próprio templo. Quem discrimina assim o seu semelhante comete, além de
intolerância religiosa, outro crime e pecado chamado racismo. Racismo é crime
porque assim diz a lei. E é pecado porque o Criador, como nos ensinam várias
religiões, fez o homem e a mulher à Sua imagem e semelhança, chegando até,
segundo relatam algumas tradições, a usar areia de todas as cores, para deixar
claro que todas as cores, que todos os seres humanos são iguais.
Quando foram arrancados de
sua terra natal, jogados em navios negreiros e escravizados no Brasil, mulheres
e homens africanos perderam quase tudo. Mas resistiram, mantendo sua religião,
sua fé em Olorum (o Criador) e em outras divindades. Perderam quase tudo, mas
não suas raízes, firmemente fincadas na ancestralidade. Além de território
sagrado, os terreiros de umbanda e candomblé são, portanto, locais de
resistência e preservação cultural, guardiães da memória de um povo.
Mas, para aqueles que
discriminam e desrespeitam uma religiosidade simplesmente por ser diferente da
sua, parece difícil entender essa verdade...
A propósito, conta uma
tradição oral de matriz africana que no princípio havia uma única verdade no
mundo. Entre o Orun (mundo invisível,
espiritual) e o Aiyê (mundo natural)
existia um grande espelho. Assim, tudo que estava no Orun se materializava e se mostrava no Aiyê. Ou seja, tudo que estava no mundo espiritual se refletia
exatamente no mundo material. Ninguém tinha a menor dúvida em considerar todos
os acontecimentos como verdades. E todo cuidado era pouco para não se quebrar o
espelho da verdade, que ficava bem perto do Orun
e bem perto do Aiyê.
Neste tempo, vivia no Aiyê uma jovem chamada Mahura, que
trabalhava muito, ajudando sua mãe. Ela passava dias inteiros a pilar inhame.
Um dia, inadvertidamente, perdendo o controle do movimento ritmado que repetia
sem parar, a mão do pilão tocou forte no espelho, que se espatifou pelo mundo.
Mahura correu desesperada para se desculpar com Olorum (o Deus Supremo).
Qual não foi a surpresa da
jovem quando encontrou Olorum calmamente deitado à sombra de um iroko (planta sagrada, guardiã dos
terreiros). Olorum ouviu as desculpas de Mahura com toda a atenção, e declarou
que, devido à quebra do espelho, a partir daquele dia não existiria mais uma
verdade única.
E concluiu Olorum: “De hoje
em diante, quem encontrar um pedaço de espelho em qualquer parte do mundo já
pode saber que está encontrando apenas uma parte da verdade, porque o espelho
espelha sempre a imagem do lugar onde ele se encontra”.
Portanto, para seguirmos a
vontade do Criador, é preciso, antes de tudo, aceitar que somos todos iguais,
apesar de nossas diferenças. E que a Verdade não pertence a ninguém. Há um
pedacinho dela em cada lugar, em cada crença, dentro de cada um de nós.
Programa
Nacional
Dos direitos
Humanos
Proposta 113
Incentivar o diálogo entre movimentos religiosos sob o prisma da
construção de uma sociedade pluralista, com base no reconhecimento e no
respeito às diferenças de crença e culto.
No momento em que o grupo de
trabalho encerrava, em Brasília, a produção desta cartilha sobre Diversidade Religiosa e Direitos Humanos,
a capital do Brasil assistia a mais um ato explícito de intolerância religiosa.
Cerca de 3 mil católicos participavam de uma celebração na Catedral Militar
Rainha da Paz, em Brasília, quando um homem subiu no altar, ergueu e jogou no
chão a imagem de Nossa Senhora da Paz, quebrando-a em pedaços. O homem
acreditava que seu gesto era bom, porque combatia o pecado da idolatria. “É o
dia mais feliz da minha vida. Deus está contente porque eu quebrei a imagem!”,
disse ele, depois de ser preso.
Quem terá ensinado a esse
homem que o Criador fica contente quando seus filhos brigam, se desrespeitam,
ofendem uns aos outros? Quem terá ensinado a esse homem que Deus, em vez de
Amor, é Intolerância e Ódio?
O acontecimento foi
amplamente noticiado pelo jornal, rádio, televisão. E fez lembrar fato
semelhante, ocorrido há alguns anos. No dia 12 de outubro de 1995, diante das
câmeras de um programa de televisão, um pastor chutou a imagem de Nossa Senhora
da Aparecida, para mostrar que a santa de devoção de milhões de brasileiros não
passava de um “falso ídolo”, de uma “boneca de barro”. O pastor, cuja atitude
foi reprovada até pelos outros pastores e pela maioria do povo evangélico,
acabou condenado a dois anos e dois meses de prisão, pelos crimes de
discriminação religiosa e vilipêndio (ofensa) de imagem e objeto de culto
religioso. E o episódio também mereceu grande cobertura da imprensa.
O trabalho de produção desta
cartilha demorou, ao todo, um ano e cinco meses. Neste meio tempo, quantos
terreiros de umbanda e candomblé terão sido invadidos? Quantos rituais de
praticantes da Wicca, que celebram a divindade da natureza e não desejam o mal
a ninguém, terão sido desrespeitados e chamados de “satânicos”? Quantos índios
forçados a adotar uma religião imposta pelos catequizadores atuais, que até
hoje, 500 anos depois, ainda não foram capazes de entender que a
espiritualidade indígena, assim como a dos ciganos, tem características
próprias e precisa ser respeitada em sua diversidade? Quantos ciganos terão
sido perseguidos e agredidos por causa de sua etnia e de sua religião, mesmo
motivo que os condenou ao quase extermínio na Segunda Guerra Mundial,
juntamente com os judeus e outras vítimas da intolerância?
Quantos seres humanos terão
sofrido algum tipo de violência cometida por alguém que acredita que Deus (ou
qualquer outro nome que tenha o Criador) fica contente com a sua intolerância?
Com certeza, muitos seres humanos. E sem que o resto do Brasil ficasse sabendo,
porque tais acontecimentos quase nunca são noticiados pelo jornal, rádio,
televisão.
Mas a imprensa está coberta
de razão quando dá o merecido destaque a violências praticadas contra os católicos.
A imprensa peca é por omissão, quando não dá o mesmo merecido destaque a
violências praticadas diariamente contra religiões ditas “minoritárias”. Porque
intolerância religiosa não é “apenas” pecado contra a vontade do Criador.
Intolerância religiosa é, também, desrespeito aos Direitos Humanos. E é crime,
previsto no Código Penal Brasileiro.
Mas no momento em que o
grupo de trabalho encerrava a produção desta cartilha sobre Diversidade Religiosa e Direitos Humanos,
uma boa notícia chegava, também de Brasília, também trazida pela imprensa. A
boa notícia é que, bem pertinho da capital do Brasil, numa vila de pouco mais
de mil moradores chamada Área Alfa, católicos e evangélicos dividem o mesmo
templo.
No princípio, a Capela
Sagrado Coração de Jesus e Maria era só dos católicos. Os evangélicos faziam
seus cultos numa pequena casa desocupada, mas tiveram que abandoná-la. Ficaram
sem templo. Mas por pouco tempo.
Logo, a fé dos evangélicos
acabou acolhida pela capela dos católicos. Há três anos, todo domingo é assim:
primeiro vem a missa, e os católicos rezam; terminada a missa, é a hora do
culto, e os evangélicos oram, no mesmo lugar onde antes se celebrara a missa.
Mas e as imagens dos santos
católicos, que tantas manifestações de intolerância têm causado? Ah, os evangélicos
recolhem cuidadosamente as imagens do Sagrado Coração de Jesus, Imaculada
Conceição de Maria, Nossa Senhora de Fátima e Nossa Senhora do Rosário, guardam
com todo cuidado num quartinho, e começam o culto.
Os católicos dizem que
compartilhar o mesmo teto com os evangélicos é um bom fruto do diálogo
religioso, e que todos são cristãos, e que o templo é de todos. Os evangélicos
agradecem – e contam: quando os católicos têm problemas, pedem aos evangélicos
que orem por eles; e os católicos retribuem, rezando pelos evangélicos.
Em Pancas, no Espírito
Santo, católicos e luteranos se uniram para construir, com as próprias mãos, um
mesmo teto para suas crenças. No Rio de Janeiro, seguidores das religiões de
matriz africana e grupos católicos desenvolvem, em conjunto, ações sociais na
área da saúde.
Em São Paulo, representantes
indígenas e das religiões matriz africana, zen-budistas, judeus, mulçumanos, metodistas,
católicos, luteranos, presbiterianos e espiritualistas, entre outros, se
mobilizam em iniciativas com a Campanha
em defesa da liberdade de crença e contra a intolerância religiosa, com o
objetivo de incluir o tema na agenda brasileira dos Direitos Humanos.
Pelo Brasil afora,
diferentes igrejas cristãs, reunidas em entidades como o Conselho Nacional de
Igrejas Cristãs (Conic), lutam juntas pelos Direitos Humanos, como na Campanha
da Fraternidade de 2005 – Ecumênica: Solidariedade
e Paz (Felizes os que promovem a Paz).
Experiências como essas, e
tantas outras, de convivência e respeito mútuo entre religiões diferentes,
refletem a pluralidade e a diversidade do Brasil e dos brasileiros.
Experiências como essas, e tantas outras, deixam contente o Criador.
Porque para isso foi criada
a Humanidade: para que sejamos todos irmãos e irmãs, para que vivamos em paz e
harmonia, para que nos amemos uns aos outros.
O Supremo
Senhor do Universo, que tem diferentes nomes em diferentes culturas, ama a
todos. Dele emana toda a liberdade de pensamento, religião ou de consciência.
Igreja Metodista
Em cada
indivíduo, em cada povo, em cada cultura, em cada credo, existe algo que é
relevante para os demais, por mais diferentes que sejam entre si. Enquanto cada
grupo pretender ser o dono exclusivo da verdade, o ideal da fraternidade
universal permanecerá inatingível.
Judaísmo
A regra de
ouro consiste em sermos amigos do mundo e em considerarmos toda a família
humana como uma só família. Quem faz distinção entre os fiéis da própria
religião e os de outra, deseduca os membros da sua religião e abre caminho para
o abandono, a irreligião.
Mahatma Gandhi
A beleza do
nosso país reside justamente na diversidade cultural e religiosa de seu povo.
(...) Temos que quebrar as barreiras que nos impedem de dialogar com aqueles e
aquelas que pensam e que agem de forma diferente, mas que têm o mesmo objetivo:
a valorização da VIDA!
Igreja Presbiteriana Independente do Brasil
Se eles se
inclinam à Paz, inclina-te tu também a ela e encomenda-te a Deus...
Maomé
Toda crença é
respeitável, quando sincera e conducente à prática do bem.
Allan
Kardec
Somos Humanidade. Desde o
princípio das eras, temos indissolúvel ligação neste mundo. Somos, portanto,
mulçumanos, xintoístas, católicos, bramanistas, budistas, protestantes, judeus,
espíritas, esotéricos, agnósticos, umbandistas, ateus... Somos, por fim, Seres
Humanos!
Legião da Boa Vontade
A meta última
da religião é o amor. Todas as religiões e crenças são conseqüentemente
válidas, e sua aceitação tem de ser baseada na liberdade e numa opção
consciente e espontânea. De outra forma, a religião não teria como meta o amor.
Hinduísmo
Ter liberdade
de religião, de pensamento, é um dos pressupostos básicos (...) Como luteranos,
entendemos os malefícios da discriminação, tendo em vista que Martinho Lutero,
que iniciou a Reforma da igreja na Alemanha, foi severamente discriminado
devido às suas convicções.
Igreja Evangélica Luterana do Brasil
(IELR)
O sol que veio
à Terra / Para todos iluminar / não tem bonito e nem feio / Ele ilumina todos
iguais.
Santo Daime
É sagrada a
liberdade de pensamento, de consciência e de religião. É sagrado o direito de
entrar neste ou naquele templo, neste ou naquele terreiro, nesta ou naquela
tenda. É o sagrado direito de adorar e deixar adorar. É o direito humano e
divino de pensar e deixar pensar, de dizer e de ouvir.
Comissão Ecumênica Nacional de Combate ao Racismo
(Cenacora)
Nenhum
segmento religioso pode coagir alguém pela força ou ameaça a aceitar ou mudar
de crença religiosa (...) Todos os segmentos religiosos devem promover uma
cultura de Paz e ordem, trazendo benefícios à população em geral, especialmente
aos menos favorecidos.
Igreja Pentecostal O Brasil para Cristo
Não terás
nenhum pensamento de ódio contra teu irmão.
Moisés
Cada ser
humano possui o direito de escolher a sua própria maneira de servir o sagrado e
deve fazê-lo sem perseguições e/ou discriminações, com liberdade.
Encantaria Cigana
Se você
critica a fé dos demais, sua devoção é falsa. Se você fosse sincero, apreciaria
a sinceridade dos outros. Você vê erros nos outros porque você mesmo os tem,
não os outros.
Sathya Sai Baba
Jesus Cristo
disse: “Porque faz que o Seu sol se levante sobre os bons e os maus, e a chuva
desça sobre os justos e os injustos”. Jesus deixou claro que todos somos
participantes das mesmas oportunidades da vida e da graça da criação de Deus,
independente de qualquer convicção.
Ministério Sara Nossa Terra
Existem muitos
povos, de muitas raças, falando várias línguas. Mas, para eles, só existe um
sol, uma lua e uma mãe terra. Somos parte um do outro, pela vontade do Grande
Espírito.
cosmovisão indígena
Não pode haver
dúvida alguma de que os povos do mundo de qualquer raça ou religião que sejam,
derivam sua inspiração de uma só Fonte Celestial e são súditos de um só Deus. A
diferença entre os preceitos sob os quais vivem deve ser atribuída aos vários
requisitos e exigências da época em que foram revelados.
Bahá’u’lláh
Todo ser
humano tem direito à liberdade de pesquisa da verdade e, dentro dos limites da
ordem moral e do bem comum, à liberdade na manifestação e difusão do
pensamento... Pertence igualmente aos direitos da pessoa a liberdade de prestar
culto a Deus, de acordo com os retos ditames da própria consciência.
Encíclica Pacem in Terris
Prevenir a
intolerância é assumir que nenhuma verdade é única. É reconhecer que o outro
tem livre arbítrio (...) Esse reconhecimento pressupõe garantir-lhe o direito
de pensar, de crer, de amar, de doar, de rezar, de ser gente religiosa. Gente
que exercita a missão sagrada de reconhecer no outro a imagem e semelhança de
Deus, Olorum ou Javé.”
religiões afro-brasileiras
Em verdade,
jamais se destrói o ódio pelo ódio. O ódio só é destruído pelo Amor. Este é um
preceito eterno.
Buda
Bem-aventurados
os que têm fome e sede de justiça, porque serão saciados. Bem-aventurados os
misericordiosos, porque alcançarão misericórdia. Bem-aventurados os puros de
coração, porque verão a Deus. Bem-aventurados os que promovem a Paz, porque
serão chamados filhos de Deus.
Jesus Cristo