Eu estava tomando um leite numa gamela em cima do jirau da cozinha. O negócio veio como um raio. Pum! Senti o baque na mesma hora, que eu já fui até dizendo nome feio, que naquela época eu ainda era meio bruto. A coisa ficou por ali fervilhando e coçando durante um mês. Depois, bote a piorar. Fui para Rio Branco, estive em centro espírita, macumbeiro, doutor nenhum não deu jeito, e teve até quem me desenganasse mais. Era um feitiço bem botado. Passei mais de ano nessa agonia. Numa hora que nem essa agora, eu estava nos maiores sofrimentos da minha vida. Trabalhava o dia todinho, mas quando davam quatro horas da tarde começava o negócio dentro de mim subindo até a garganta e voltava para trás. Durava de quatro da tarde até às oito horas da noite. Todo dia era esse sofrimento. Tinha dia de eu encher um penico: era uma baba horrível. Ainda fui me valer de uma macumbeira para ver se ela atinava com o feitiço. Mas, quando me viu, ela é que quis se valer de mim, que estava para morrer, pediu ajuda, e no outro dia ela morreu. Foi aí que alguém me disse: "Vai no Mestre Irineu". Eu pensei um pouco e disse: "É mesmo, vou já no Mestre Irineu".
Depois que me deram a idéia de ir até lá, voltei para casa, no outro dia me arrumei e fui. Tinha um serviço de concentração. Cheguei lá falando para ele que me encontrava nesse estado, doente e desenganado. Ele olhou para mim e me perguntou se eu era homem. Eu respondi para ele que não sabia. Ou melhor, que em certos pontos eu era um homem, mas sobre aquele trabalho ali, que eu não conhecia, eu não ia dizer que era, porque não sabia, não é?
- Eu sei que eu sou assim, desse jeito, mas não sei se eu sou homem, homem mesmo, porque isso não é qualquer pé-rapado não, disse para ele.
E ele me disse:
- Se você for homem, entre na fila, tome o Daime e depois venha me dizer alguma coisa.
Tudo bem. Fui. Tomei o Daime, fui para o meu cantinho e sentei. Passou um tempinho e começou aquele negócio, e eu já fui criando medo, me levantei e saí bem devagarinho, porque era concentração e estava todo mundo concentrado. Eu saí andando na pontinha do pé, quando chego bem perto de onde a gente toma o Daime, o Daime me deu um assopro assim que eu achei tão fedorento! Voltei para trás. Quando vou chegando no banco para me sentar, uma voz falou: " O homem perguntou se você era homem e você até agora só fez foi gemer!". Bem, aí o corpo velho foi abaixo. Ficou lá no chão. E eu, já fora do corpo, fiquei olhando para aquele bagulho velho estendido, que era eu.
De repente se apresentaram dois homens que eram as duas coisas mas lindas que eu já vi na minha vida. Resplandeciam que nem fogo. Aí eles pegaram e sacaram o meu esqueleto todinho de dentro daquela carne toda, sem machucar nada. E vibravam tudo de um lado para o outro. E eu do lado de cá olhando tudo que eles faziam. Tiraram tudo que era órgão, um deles ficou segurando o intestino com as mãos. Pegaram uma espécie de gancho, abriram, partiram e tiraram três insetos do tamanho de uma unha, que era o que eu sentia andar para cima e para baixo. Aí um deles veio bem pertinho de mim, que estava sentado assim do lado do corpo que continuava estendido no chão, e disse: "Está aqui. Quem estava te matando eram esses três bichos, mas desses você não morre mais". Aí eles fecharam e pronto! Você vê algum remendo? Não tem. Graças a Deus fiquei bonzinho, igual a menino.
No começo, as doses eram de copo cheio, e muita gente caía pelo salão ou ia se valer do Mestre. Eu bailava na terceira fila, ao lado do Daniel Serra, o sobrinho do Mestre. Ás vezes eu sentia uma energia estranha, então bailava mirando mesmo, e era tudo tinindo! Era muito forte. Eu nessa época marchava duro e pisava no chão com força. Só mais na frente que o Daime um dia me disse, numa miração, que era para eu pisar mais macio, para não ofender nem machucar ninguém. Alguns fiscais até mangavam de mim, do meu jeito de trabalhar. Eu trabalhava mesmo, me entregava na miração. Recebia meus hinos e passava eles a limpo com o Mestre. Ele dizia:
- Vá seguindo, vá seguindo, meu filho! É isso mesmo.
Não me queixava diretamente com ele, mas ele sabia. Dizia que tinha alguns deles ali tomando Daime há muitos anos mas que nunca tinham visto nada. Dizia também que, quando ele se ausentasse, fizesse a passagem, aí é que eles iam ver muita coisa no seu Estado-Maior, que era como se chamava na época os fardados mais graduados. Tinham divisas e insígnias especiais, usavam uma rosa e uma estrela de cinco pontas. Mas tinha muita competição e inveja por causa das divisas, então ele nivelou todos com a estrela de seis pontas, e todo o quadro de fardados ficou sendo o Estado-Maior.
Eu cantava os hinos que recebia para ele e ás vezes contava também com mais detalhes a miração que tinha dado origem ao hino. E ele confirmava tudo. É preciso ter calma. E todo mundo pisar bem de mansinho. Não se orgulhar dentro daquele salão. Que tem hora que tudo brilha e a gente quer se achar mais bonito que o outro que está lá passando baixo... Cuidado, matéria orgulhosa, que logo tu vai estar lá sentado no banco, se não estiver estirada no chão!
O Mestre dizia que o povo ainda ia chegar, que eu me preparasse. Depois que ele passou, o espírito veio me entregar o resto. Que era para eu não temer nada. Sobre questão disso e daquilo lá de fora, que eu não temesse coisa nenhuma e levasse em frente. Que o Daime ia guiar tudinho. Para ir tirando o povo de Juramidã, tirando do meio da cidade e colocando na floresta, que é o paraíso.
Nas horas dos desdobramentos a gente pode compreender muitas coisas boas. Mas tem que ter uma fé muito forte. Não uma fé assim sem saber em quem. Mas é fé de verdade, em quem está presente nessa bebida, em quem está invocando ela, que é Juramidã. E em todos os seres da Corte Celestial, como os da terra, da floresta e do mar e ainda alguns que vivem debaixo da terra. Pois eu andei debaixo da terra e é tudo claro como aqui em cima. Vocês não se admirem de nada, porque o Eu-Superior é tudo e anda por todo canto. E se eu estou com ele, me dá licença também de eu andar por onde ele quiser. Tem hora que tem alarme falso, para ver se estamos caçando um motivo para correr da fila. Quando a força balança, a primeira coisa que se deve fazer é ficar firme e segurar o ponto. Se não tem jeito de ficar em pé, senta; se não der para ficar sentado, deita. Se não der tempo para escolher nada disso, cai! O que importa é a gente receber o que o Ser tem para nos dar nessa hora. No meu aprendizado, eu algumas vezes fui ao barro, e dou graças a Deus pelas minhas quedas, porque saí bem aprendido com elas. E quem ficou só olhando para mim e achando graça, esse, coitado, não aprendeu nada!
A gente andava quinze, até vinte quilômetros por essas estradas para ir tomar Daime. A família toda. Tomava uma dose só nas concentrações e voltava. Depois de várias horas ainda estava todo mundo mirando. Então, o Mestre me autorizou a abrir alguns trabalhos em casa e a fazer Daime.
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