Isso ele foi buscar longe, veio do Peru. Na história esta bebida derivou do Rei Huascar, passou para o Rei Inca, deste para um caboclo peruano chamado Pizango, do caboclo para Antônio Costa, de Antônio Costa para o Mestre Irineu. Porém, até aí era uma bebida totalmente bruta. Só homens tinham o direito de tomar. Ele procurou especializá-la, e se dedicou realmente. Ele sujeitou-se a um regime... Lá então, ele firmou, falando com a própria bebida: "Se tu fores uma bebida que venha a dar nome ao meu Brasil, eu te levo para o Brasil, mas se for desmoralizar o meu Brasil, eu te deixo aqui mesmo". Ele não cansava de relatar isso a gente.
O Mestre tinha realmente descendência escrava. Tanto de pai como de mãe. Os avós dele foram escravos. Vieram para o Brasil e se situaram no município de São Vicente de Férrer, Estado do Maranhão.
O Mestre nasceu de noite, no dia 15 de dezembro de 1892. Foi batizado na mesma cidade. Teve quatro irmãs e três irmãos. Ele falava pouco dos seus irmãos, mas falava muito do seu tio Paulo, que sempre o orientou e que foi uma das razões dele ter retornado ao Maranhão, em 1957.
Com a idade de doze anos, ele começou a trabalhar. Aos quinze, apaixonou-se por uma prima e seu tio Paulo o aconselhou a conhecer o mundo. Foi quando ele ouviu falar que aqui na Amazônia se ganhava bastante dinheiro. Ele procurou se deslocar do seu município para São Luís, a capital. Aí passou a trabalhar distribuindo leite até se "alistar", como ele dizia, num navio para Belém do Pará, onde ele passou de 30 a 40 dias. De lá, ele veio para Manaus, onde passou mais algum tempo. Aí, o Mestre embarcou numa "chatinha", passando por Rio Branco, para o Alto Acre. Isso foi por volta de 1913 ou 1914. Seu primeiro trabalho foi no corte da seringa. Ele chegou com uma companheira, de nome Francisca, que ele chamava de Chica.
O Mestre era analfabeto. Ao chegar no Alto Acre, teve vergonha de dizer para o patrão que não era alfabetizado. Quando o "noteiro" passou por lá, a primeira coisa que ele pediu foi uma carta de ABC. E de quinze em quinze dias, quando o "noteiro" passava, ele tomava uma lição. Ele tornou aquela mentira em verdade.
Com dezessete anos e meio, o Mestre voltou a Rio Branco para assentar praça na Polícia Militar, que era o equivalente ao Exército aqui no Acre. Ele seguiu a carreira e chegou a cabo. Como ajudante de ordens, trabalhou na comissão de limites. Assim conheceu a Bolívia e o Peru.
Após dar baixa na polícia, ele voltou à seringa. Foi quando se encontrou com Antônio Costa e conheceu a ayahuasca.
O Mestre foi convidado por Antônio Costa a conhecer um caboclo de nome Pizango, que era um caboclo peruano, descendente dos Incas. Era com ele que Antônio Costa tomava Daime. Isso por volta de 1918.
Era Pizango, por assim dizer, um caboclo que sabia aonde as andorinhas moravam. Quando eles tomaram o Daime – eram aproximadamente doze pessoas, e estavam mirando, o caboclo aproximou-se. Só quem viu foi Raimundo Irineu Serra. Veio dar a entender que o Mestre era o único que estava em condições de trabalhar com a bebida. Na altura do trabalho, Pizango veio e entrou dentro da cuia que estava servindo o Daime. Naquele tempo se tomava Daime na cuia grande. O caboclo Pizango vira-se para Irineu e diz para ele convidar os companheiros a olhar dentro da cuia e perguntar se estavam vendo alguma coisa. A resposta foi: Não! Eles olhavam e diziam que só viam o Daime. Aí Pizango falou:
- Só usted tem condições de trabalhar com o Daime. Ninguém mais está vendo o que tu está vendo.
Ele se deslocou dali para a casinha que defuma a borracha - o defumador, pedindo para alguém levar um baço - a vasilha com o Daime, para lá. O Mestre chamou um dos seus companheiros. Foi André Costa que levou o baço. Quando o trabalho terminou, só encontraram a vasilha seca. O Daime tinha sido consumido.
Uma senhora se apresentou para Antônio Costa (logo que o Mestre começou a tomar o Daime), e perguntou se ele queria trabalhar com a ayahuasca. Ele negou-se. Disse que desse para o Raimundo. Antônio Costa falou para o Mestre sobre essa senhora:
- Ela disse que te acompanha desde que você embarcou no porto de São Luís do Maranhão.
- Como é mesmo o nome dela?
- Clara.
- E como ela é?
- Ela tem uma laranja na cabeça.
No trabalho seguinte, ela ficou de se apresentar ao Mestre Irineu. Ele ficou contando os minutos e os segundos até chegar na próxima quarta-feira. E nesse trabalho, ela realmente se apresentou a ele.
Essa senhora era Nossa Mãe Santíssima, a Virgem da Conceição, a nossa protetora. Todo trabalho dele foi com ela na frente. A laranja representa o globo. Nos seus ensinos, a gente nota perfeitamente que ele recebeu das mãos dela este globo. Nota também que o Mestre veio dotado, só fez desenvolver.
Quando ela se apresentou para ele, fez algumas exigências. Uma delas era aprender a trabalhar com a bebida. Assim ela teve que submetê-lo a um jejum. Perguntou se ele garantia. Ele disse que sim. Sua ansiedade era tanta, que ele submeteu-se ao jejum, seriam oito dias só de macaxeira insossa e água. E assim foi.
Numa outra oportunidade, num feitio de Daime, na hora em que o Daime estava fervendo, ele meteu a mão na panela, encalcou (apertou) bem, bastante mesmo, chegava o Daime lavava por cima da mão dele. E todo mundo ficou observando, um pouco admirado, é claro, e tinha um companheiro lá dele, que me foge, agora, realmente, o nome na memória, que disse que ia fazer aquilo. Ele pediu para não fazer. O outro insistiu e como ele sempre disse: "as vontades são livres", a pessoa tentou fazer. Resultado: o couro da mão ficou. Então, a prova realmente de que nosso Mestre tem um pouco de fé. Ou por não dizer, total fé.
O Estatuto foi criado pelo irmão José Vieira, nos anos de 1960 a 1969, quando foi apresentado oficialmente ao Mestre e registrado em 22/01/1971. Eu cheguei à sua residência já com tudo pronto, registro em Cartório. Foi quando então ele me disse: "Compadre, estou satisfeito, dei nome a quem não tinha. Guarde consigo esta documentação até um dia".
O Mestre Irineu era filiado ao Círculo Esotérico e à Rosa Cruz. Ele nos aconselhou também a se filiar no Círculo Esotérico. O padrinho até nos colocou na parede pra gente se filiar. Ele dava apoio a esta composição aqui, porque dava certo. Ele começou lendo as instruções do Círculo Esotérico da Comunhão do Pensamento nos dias das sessões de concentração. Depois passou a ter as sessões Esotéricas que eram no dia 27 de cada mês e as Exotéricas na segunda feira lá na casa do Presidente, na casa de seu Francisco Ferreira “Chicão". As sessões Esotéricas eram dia 27, na sede, e as Exotéricas na casa do Presidente, lá na rua. Lá era uma hora, não dava pra tirar o sono de ninguém. As sessões do Círculo Esotérico eram com daime. Ele chegou a fazer as segundas feiras com daime também.
Perguntei a ele sobre irradiação. Inclusive ele até disse assim: “Os anjos guardiões do lar (ele apontou para uma palheira, eu nem prestei atenção se essa palheira continua por lá) estão tudo aí esperando por nós. A gente não utiliza eles, não chama eles. Isso aí é um caso de irradiação.” Mas existe outro tipo. A irradiação de seres como a Princesa Soloína, por exemplo. Eu conversei com ele, mas eu acho isso uma coisa muito merecedora, muito fina, vai depender muito até do merecimento da pessoa. Isso não tem o que dizer. Isso aí é até de praxe, se você merecer ela vem te irradiar mesmo, dar assistência necessária. Mas se não merecer, já está dizendo um hino: “Cada qual que tem um dom, conforme o que merecer”. Mas dizer que tem, tem. Mas se a gente tiver o merecimento recebe as irradiações necessárias. Comigo aconteceu sim aquele negócio, a gente está confortado. Desempenhei o trabalho bem, bem, bem mesmo, tanto que ele até dizia: “Você vai cantar o hinário de João Pereira, chame João Pereira antes de começar, concentre e chame João Pereira. Ele vem te dar assistência.” O do Germano, Maria Damião e assim por diante. Eu fiz outra pergunta a ele. Foi até quando tinha uma sessão de caboclo (Trabalho de Mesa): “Padrinho, o senhor tem um hino que diz que os caboclos estão chegando de braços nus e pés no chão?” Ele disse: “É, esses são os meus caboclos.” Aí, depois eu fui ver quem eram os caboclos dele, era nós. Esse Mestre às vezes botava as pessoas pra lá, pra acolá. E ele estava tão pertinho da gente. Agora, era aquele negócio, ele não se declarava e aqui acolá ele está dizendo quem é ele e a pessoa passa por cima.
Geralmente a comandante das mulheres recebe das mulheres (os trabalhos em Reis). Ela pode destacar outra pessoa para receber as que estão à paisana, ou ela pode receber de todas também. Isso é só uma questão de hierarquia, digamos assim, de aproveitar o tempo. Assim é também com os homens, aí, repassam para o presidente. O sinal é feito com um movimento rápido, levantando a mão esquerda de ambos, de quem está recebendo e de quem está entregando. Os dizeres da entrega é que variam um pouco. A pessoa chega em frente de quem está recebendo e diz: “Recebi os meus trabalhos do ano... na santa paz de Deus e na santa paz de Deus eu entrego os meus trabalhos com (ou sem) alteração”. A pessoa que vai saber se teve alteração no seu trabalho ou não, mas, geralmente, se entrega com alteração. Em relação ás preces geralmente quem está recebendo pergunta. Porque as pessoas geralmente se esquecem de entregar. São poucos os que entregam contadas. E quem está recebendo os trabalhos diz: “Recebo na santa paz de Deus suas orações e na santa paz de Deus entrego mais 20 mil orações para o próximo ano”. Isto tudo é antes de encerrar o trabalho, após a entrega se encerra o trabalho.
Quando havia uma ligação com o Círculo Esotérico, o Mestre Irineu recebeu uma carta endereçada a ele dizendo que o uso da ayahuasca era irregular. Aí o Mestre disse: “Já que não me querem, também retiro o meu daime”. Quando ele retirou o daime, aí pronto, fugiu todo mundo e acabou-se o Centro de Irradiação Tattwa Luz Divina. Todo mundo não quis mais ir lá. Ele nos aconselhou a seguir, dizendo que as instruções eram muito boas, de fato eram mesmo.
Mestre Irineu me disse sobre macumba: “Compadre, se o senhor não acredita, mas, também não desdenhe. O senhor não sabe o que tem ao nosso redor, tem forças negativas. Eu não digo pra todo mundo, porque eu quero é que acreditem em Deus. Mas existem forças negativas aos arredores. Uma hora dessa, ela te pega! Se o senhor não acredita, não desdenhe, se não acredita não desdenhe, se não acredita deixa lá, você nunca sabe qual a intenção daquela pessoa”.
Ele não acreditava em incorporação. Ele disse uma vez: “Eu perguntei á Rainha minha mãe sobre isso, e ela disse assim: ‘De mil talvez, de talvez três vezes de mil se tire uma.’ Agora onde é que está essa uma que é verdadeira, ninguém sabe. O resto tudo são fantasias atrás de dinheiro. Mesmo que a pessoa não souber o que está fazendo, ele é enrolado, que a força negativa té bem pertinho das pessoas e às vezes a pessoa não está preparada.”
Disse ele que, quando foi a essa viagem pro Maranhão, ele passou por Belém. E o Fabiano, irmão do Zé das Neves, chamou ele pra ir em um lugar desses e ele foi. Quando ele chegou lá, o pessoal chamou ele pra dar um passe. Ele disse que sentiu faltar terra no chão, ele pediu licença foi lá fora e pisou no chão, olhou pro firmamento e voltou e pediu pra continuar. E não quiseram continuar, dizendo que ele tinha o corpo fechado e não pegava nada nele não. Mas dizia ele, que, se a pessoa facilitar, há uma força negativa que agarra a pessoa. Não é que a pessoa incorpora. A pessoa já traz consigo, dado por Deus, o seu espírito. Mas se a pessoa se afastar para entrar outra, pode entrar as forças negativas. Realmente são forças negativas. Se a pessoa não se prepara, como está dizendo o hino “Fica espírito vagabundo”. Aquele espírito vagabundo está atrás de luz. Se o senhor tem muita luz vão atrás do senhor. A pessoa não sabe se defender, vai ficando desnorteada, fazendo tolice, asneira mesmo. Existe esse trabalho mesmo, para justamente adestar essas entidades. É para aquela pessoa que não está capaz de lutar com aquela entidade.
Houve uma polêmica com Dona Percília a respeito do hino 130. Eu ouvi muito ela dizer que era um hino reservado, que foi reservado exclusivamente para os dias de missa, ou seja, quando há um falecimento, ou, para o dia da passagem do Mestre. Mas, antes até eu cheguei a cantar, não só pro dia de Reis. Se saísse o Cruzeiro eu cantava. Este hino, na época dele, nós cantávamos no bailado. Porque assim que ele recebeu, muitas pessoas ficaram no alvoroço, o Mestre vai embora e tal. Ele foi á sede e nos confortou. Os hinários que se procederam aí por diante, nós cantávamos. Este hino saiu n’O Cruzeiro ainda. Inclusive ele é muito bom de bailar. Mas depois que ele foi embora criaram isso aí.
Por exemplo, o aniversário dele é dia quinze. Mesmo em vida, o aniversário dele era dia quinze. Mas só foi feito com hinário no último ano, antes era festejo de forró com daime. Mas no ano de 1970 foi feito no dia 15, às 18 horas. Ele chamava a Percília e Maria Gomes para começarem a rezar o terço, depois se servia o daime e começava a cantar às 19 horas.
Então isso nos comprova que realmente o daime, quando ele está sendo feito, vamos dizer assim: vai sofrendo a metamorfose, completamente uma transformação. É diferente do que a gente possa pensar do que seja o chá em muitos centros por aí, que chamam de chá. Eu não chamo de chá, porque eu sei que essa transformação que ele passa não é cientificamente não. É divinamente. Ele não passa a ser um chá, ele não passa a ser um líquido qualquer.
O Mestre tinha uma exclusividade, em primeira mão era o bálsamo, que é uma madeira forte, de boa pressão. Esta é a razão de ele ter posto ela em primeira linha. Depois vinha o cumaru-ferro, uma madeira de boa pressão. Muito boa de fogo também, é tanto que aqui no Acre quando se vai comprar um saquinho de carvão, se pergunta se é de cumaru-ferro. É um carvão muito bom, então a lenha, o fogo o qual a gente precisa pra fazer o santo daime é um fogo seguro de boa pressão. Depois vem o ipê, que chamamos aqui de pau d’arco, o roxo. O pau d’arco tem um fogo tão quente que ele derrete fundo de panela. Acaba com o fundo de panela rápido, o sujeito vai fazer feitio de daime com ipê, sai todo mundo moreno, aquela fumaça escura, tipo a do diesel, mas é uma lenha também muito forte, muito boa também. Então essas três eram as essenciais. Fora isso, se encontrasse dificuldade em achar, você poderia pegar maçaranduba, a quari-quari, e a carapanaúba. O problema está na pressão, não deixar a pressão cair. O fogo tem de ser o todo tempo numa média só. A gente no trabalho, na hora, na hora, na hora vai chegar a essa conclusão. Tem gente que mete muito fogo. O que é que acontece? A fervura chega rápida, o daime seca antes do tempo, sem tirar a essência da coisa. Tem tudo isso, então a gente prestando atenção, trabalhando, é que a gente vai vendo todas essas coisas que a gente precisa, tem pessoas que pegam um saco de cipó, bate, bate, bate faz as arrumações. Aí, vamos dizer que deu 5, 6, 8 litros de daime, por que? Às vezes ele não está nem bem cozido, porque não deu tempo, teve fogo demais, o que é que acontece? Seca, rapidinho e não tira a essência que tem de ser tirada do cipó, da folha. Então, esses macetes agente aprende trabalhando.
Você começa com folha, se a primeira camada no fundo da panela for folha (pouca quantidade), termina com folha, poderia ser 2, 4, 5, 8, 10 camadas e em espessuras iguais. A mesma grossura da folha tem de ser a mesma do bagaço do cipó batido e assim por diante. Mas teria de terminar com folha. Se o senhor começasse com o cipó, também terminaria com cipó, essa era a exigência dele. Foi como ele aprendeu com a Rainha e repassou pra nós, e que eu ainda me porto por aí, e tenho muito medo de mudar.
O Mestre começou realmente com as instruções que recebeu da Rainha. Com uma marreta de madeira. Só que ele contou pra mim, não só pra mim como pra outras pessoas, que teve uma vez que ele teve preguiça de fazer uma marreta na hora. Ele pegou o martelo e começou a bater com o martelo. Fez o daime. Só que a Rainha reclamou pra ele. Diz ele que foi martelo na cabeça dele à vontade. Mas ele se comprometeu com a Rainha de nunca mais cair naquela farsa.
Hoje a gente ainda procura fazer da melhor maneira. E, por sinal, até eu perguntei pra ele em uma boa oportunidade se a gente não podia usar uma máquina. Nessa época já se falava, ali pela Vila Ivonete, eles trabalhavam com aquela máquina de quebrar osso. Aí pensaram em usar para triturar o jagube. Ele até disse: “Você está é com preguiça, não é?” Eu disse: “Não Mestre. Eu não estou com preguiça não. Só estou perguntando ao senhor se pode ou não.” Ele disse: “Não.”
A gente trabalhava em média de dez sacos por feitio. A gente trabalhava todas as luas novas do ano, exceto a lua nova do mês de carnaval. Trabalhávamos com doze homens em doze tocos. A casa de feitio era lá na casinha, mais ou menos entre a sede e a casa dele. Ficava perto da vertente dele, e perto da casa dele também.
Nós chegamos umas dez horas da noite lá, após um feitio do daime, e ele estava com o rascunho. Ele pediu a Luiz Mendes para ler. Luiz Mendes passou duas horas lendo esse Estatuto. Ora a gente dormia, ora a gente se acordava, dormia, se acordava e quando terminou ele perguntou pra nós o que nós achávamos, se estava bom. A resposta nossa era: “Quem erámos nós para achar, para julgar?” Ele disse: “Não está bom?”. Respondemos: “Está bom também pra todo mundo.” Foi quando ele passou e me entregou, e pediu pra eu tomar as providências e registrar no Cartório Oficial. Assim foi feito.
Depois foi para compor a Diretoria. Encontrei até um pouco de dificuldade. Porque geralmente determinados irmãos por aqui queriam prevalecer com a hierarquia. Porque ele era o mais antigo, achava que o cargo de Presidente devia ser dele. Como o José das Neves não queria aceitar o cargo de Conselheiro, foi preciso eu voltar lá no Alto Santo. Ele mandou dizer pro Zé das Neves que ele se conformasse. Que deixasse o Zé das Neves com ele. Que ele sabia o que ele estava fazendo. Ele então se aquietou. Os cargos que ele direcionou, foi o meu (como secretário), foi o da Peregrina como tesoureira, Júlio Carioca como o zelador, o Leôncio (presidente) e o José das Neves. O restante ele mandou que eu arranjasse por lá. E assim foi feito. Ele mandou o Leôncio escolher o vice-presidente pra ele. Ele escolheu seu Francisco Granjeiro. Entreguei o registro pronto do centro pra ele, na véspera dele fazer a viagem dele. Por volta de umas sete horas da noite, eu entreguei nas mãos dele, aí ele disse: “Compadre eu estou satisfeito, dei nome a quem não tinha.” Ele foi e me repassou essa documentação depois de lida, dizendo que era pra eu guardar aqui até um dia.
No trabalho que nós fizemos pra ele, a gente entrava de dois em dois onde ele estava pra não tumultuar. Era lá no quarto dele. Quando entrou eu e o Leôncio, ele foi e disse pro Leôncio que não inventasse moda dentro do trabalho dele. A dosagem de daime de agora por diante seria meio copo. Acima de meio copo era por conta de cada um. Pra concentração de uma hora era aquela parte ali.
Eu tive um bate papo com ele na festa de aniversário. Ele faleceu em 1971. No dia 05 eu cheguei com a documentação do centro, toda registrada em cartório, prontinha mesmo. Primeiro eu cheguei, pedi bênção a ele, e por volta de sete horas da noite ele me abençoou. Ele recebeu do José Vieira a cópia do estatuto em rascunho. Depois ele mandou, após o feitio de daime, a cópia para Luiz Mendes do Nascimento ler. Aí, Luiz Mendes leu a cópia para todos os componentes que trabalharam no feitio de daime. Então ele perguntou uma coisa: “Tá bom?” Eu já estava com a resposta: “O senhor é quem sabe, pra mim tá bom.” Ele passou pra mim e eu fui cuidar de registrar no cartório e no diário oficial. Tudo isso então no dia 05 de julho de 1971, estava tudo prontinho. Assim, às sete horas da noite pedi a bênção a ele, perguntei de sua saúde e ele me respondeu: “Só esse frio que tá me acatruzando.” A comadre Peregrina estava assim do lado e tudo. Ela estava assistindo quando eu acabei de ler, ele disse: “Compadre, eu estou satisfeito, dei nome a quem não tinha.” O pessoal maculava muito a imagem do daime. A maneira de se expressar foi muito visível. Agora certamente registrado, legalizado, não havia mais porque tanta mácula. Ele disse: “Guarde consigo até um dia.”
O Mestre Irineu nunca foi homem de ler e ficar guardando na mente dele capítulos e versículos da Bíblia, mas uma coisa ele guardou consigo e não cansava de repetir: “Da Bíblia eu tirei dois mandamentos, pra nós amar a Deus sobre todas as coisas e ao próximo como a si mesmo. Diz tudo, se a gente fizer isso aí, está entregado a ela toda.” Essa foi a história que eu ouvi da boca dele. Jamais ele blasfemou da religião, de ninguém, principalmente da Bíblia, porque ele comparava: “O meu Cruzeiro tá cortando a Bíblia de fio a pavio, comparem.” Ele não está desfazendo nada da Bíblia não. Mas, ele nunca usou a Bíblia em cima da mesa não.
Um dia ele disse pra mim que ia se perpetuar. Tanto que, quando chegou a notícia que ele havia falecido, eu estava achando que era mentira de quem chegou dizendo. Mas, na realidade, foi verdade. Depois eu fui juntar os pingos nos i(s). Ele me disse na realidade que estava fazendo a viagem, mas, eu não peguei direitinho. Eu perguntei a ele antes do dia da concentração qual era o estado de saúde dele. Ele disse: “Estou bem, compadre.” “Está bem mesmo, padrinho?” “Estou”. “Mas, tá bem mesmo, padrinho?” Eu insisti um pouquinho. Ele disse: “É compadre, só esse frio que está me acatruzando um pouco. Mas a minha cura está em minhas mãos. A minha mãe me disse que botou em minhas mãos. A hora que eu quiser fazer a minha passagem eu faço. Não vai demorar muito não.” Mas eu não fazia ideia que seriam oito dias depois, ou melhor, sete. Nós fizemos o trabalho em uma quarta-feira e ele foi na terça, então, deu sete.
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