O Mestre Raimundo Irineu Serra era um homenzarrão de raça negra. Seu pai era o Sr. Sancho Martinho Serra e sua mãe Dª. Joana Assunção Serra. Quando ele tinha cinco anos de idade e sua mãe o surrava (ele nunca falou de seu pai), não tinha medo. Ele tinha medo era da noite quando vinham uns espíritos e o pegavam, levavam para um quarto de arroz – desse arroz agulha, tiravam a roupa dele e bolavam para cá, bolavam para lá.
- Ele fez raiva à mãe dele, vamos embora discipliná-lo.
Em outras ocasiões, quando fazia arte, o que mais ele temia era o quarto de arroz. Lá, o sofrimento era maior. Daí para cá, já vinham doutrinando ele.
Aos 15 anos, o Mestre pensava em casar. Ele tinha uma pretendente. Era sua prima. Ela era um tipo de mulherona. Era tão forte, ele dizia, que parecia que a terra tremia, quando ela andava. "Oh! Tipo de mulher bonita. Vou me casar com essa mulher". Aí a mãe dele, Dª. Joana, ficou sabendo que ele tinha um "quê" com ela. Ela chamou atenção dele:
- Olha, você está querendo casar, namorando a sua prima. Mas deixe isso de mão, porque você é novo e ela nem moça é mais. O povo já fala dela.
- Mamãe, se ela for moça, eu caso com ela. Se não for, eu não caso.
Depois ele se arrependeu dessa má criação que fez com sua mãe. E contou a história pro tio, a quem ele tinha muita obediência. Seu nome era Paulo. Desde essa época eles tratavam o Mestre com respeito. O tio disse:
- Raimundo, no sábado estou com vontade de fazer uma farinha. Você me ajuda a arrancar a macaxeira?
- Ajudo, sim senhor.
No sábado eles estavam no roçado trabalhando, quando seu tio perguntou:
- Raimundo, você está com vontade de casar?
Ele disse que pensou: "Mamãe foi logo contando essa história pro meu tio. Vou abrir um pau por aqui".
- Tô, meu tio. Por que?
- Por nada. É bom. Porque você se casa tão cedo, tem logo família. O homem pra ser bom mesmo tem que ter uma mulher do lado. Sabe, Raimundo, o homem para se casar, deve primeiro dar uma volta no mundo. Quando volta, já sabe quanto custa 1 kg de sal, quanto custa 1 kg de açúcar, já sabe quanto custa uma anágua para a mulher. Aí já dá para o homem casar...
Foi então que, no dia seguinte, ele viu um navio alistando gente para ir para o Amazonas. Chegou lá, sem dizer nada para sua mãe. Nessa época ele trabalhava no gado e ganhava 500 mil réis por dia. Quando foi pedir a conta pro patrão, o homem disse:
- Eu te dou, mas vou te esperar aqui. Você vai ganhar seus 500 mil réis aqui comigo.
- Nunca mais pisarei aqui, respondeu.
Na viagem, ele pensou em ficar primeiro em Belém. Depois, Manaus.
Estava viajando sozinho, sem destino, com a idade de 15 anos. Até que de Manaus veio para o Acre, do Acre para a Bolívia e da Bolívia para o Peru.
Na Bolívia, encontrou com Antônio Costa e seu irmão André. O Mestre tinha 18 anos. E foi Antônio Costa que lhe deu a ayahuasca. Ele e o irmão convidaram o Mestre para tomar e ele recusou. Até que ele disse:
- Eu vou. Se for uma coisa boa vou levar pro meu Brasil, pois de coisa ruim o Brasil já está cheio. Tomou a primeira vez e não viu nada. Tomou a segunda. Também não. Aí foi cortar seringa. Na mata, ele viu um cipó e viu que era mariri. Ali perto encontrou um pé de folha. Isto sem ninguém dizer. Quando chegou em casa, ele disse:
- Antônio, achei um pé de mariri e outro de chacrona.
- Quem te mostrou?
- Ninguém!
- Vamos lá então para ver.
Antônio Costa confirmou que era verdade. Eles cortaram, bateram e prepararam a bebida. O Mestre tomou e quando tomou é que ele foi ver.
Um tempo depois o Mestre tomou o Daime com um grupo de pessoas. Ele disse que quando começou a sentir a borracheira (hoje se chama fluido), eles apagaram as luzes e, ao invés de chamar "Meu Deus", eles chamavam era pelo cão. Mas apareceu foi um cemitério. Eram dez, eram vinte, eram mil, eram seiscentas mil cruzes. Quanto mais chamavam mais apareciam. "Mas não pode ser, pensou, isso não é nada do cão. O cão não gosta de cruz. Eu chamo por ele e vem a cruz."
Numa outra noite eles tomaram de novo o Daime.
Antônio Costa estava no quarto e ele na sala. Aí o Mestre olhou a lua e abismou-se com ela. Antônio Costa, lá de dentro, disse:
- Raimundo, aqui tem uma senhora que quer falar contigo. Ela está com uma laranja na cabeça para te entregar.
- Mas Antônio, por que ela não dá para ti?
- Mas ela quer dar é para ti.
- Antônio, pergunta o nome dela.
- Ela disse que o nome é Clara. E ela está te acompanhando desde o Maranhão. Ela disse também que na próxima sessão vai te procurar.
Na quarta-feira, ele tomou o Daime outra vez. Era lua nova.
E a senhora no centro da lua perguntou:
- O que você está vendo?
- Estou vendo uma deusa. O que estou vendo, se o mundo inteiro visse, o navio parava no oceano.
- Então, você tem coragem de dizer que a ayahuasca é coisa do diabo? Você disse que é o cão, Satanás? Não é não. O que você está vendo, no mundo nunca ninguém viu. Você está dizendo que sou uma princesa... Eu sou é uma Rainha Universal. Quem diz que a ayahuasca é o diabo não viu o que você está vendo.
Ela estava sentada no meio da lua e trazia na cabeça uma águia, em ponto de vôo:
- Agora você tem 18 anos. Você vai trabalhar e vai ficar com o seu cabresto, assim, bem curtinho. Você é solteiro, mas seu cabresto vai encurtar ainda mais. Você vai fazer uma dieta de oito dias, comendo macaxeira insossa. Não pode nem ouvir, nem ver roupa de mulher. Você vai fazer essa dieta.
Raimundo chamou um companheiro para tomar conta da casa e foi para a mata. Depois de quatro dias de dieta, ele viu aquelas manchas que tem nos paus se transformando em caras de gente. Todos rindo, mangando... Era aquela gargalhada dentro da mata. Mas o Mestre não teve medo, e quando chegou na curva da estrada... Uma mulher! Ele só viu o rabo da saia, e não entendeu, porque naquela colocação não havia mulher. No oitavo dia, ela se apresentou e entregou uma laranja, que é o mundo, o globo, dizendo ter sido ela que ele tinha visto na estrada. A Rainha.
Quando o Mestre se estabeleceu na Vila Ivonete, o primeiro homem que se apresentou a ele foi o Zé das Neves. Depois apareceu o Terto. Esses foram os primeiros. Quando ele se mudou para o Alto Santo, em 1945, chegaram o Antônio Roldão e o Chico Martins. O Mestre teve um sonho que Chico Martins ia morrer no dia 14 de agosto. Ele preveniu Chico Martins para não trabalhar naquele dia porque estava sujeito a ter um acidente. Mas quem acabou se ferindo foi o próprio Mestre. Ele depois falou pro Chico:
- Essa mata (onde ele se cortou) nunca se broca.
Ele ia cortar paxiúba de açaí, para fechar uma casa e bateu o machado. Era para ser o Chico Martins... Se foi com o Mestre é porque ele sabia como se curar. Ele se cortou calçado, com botas.
Conheci D. Raimunda quando ela era moça. Ela era trabalhadora e tinha grande influência espiritual. Era a segunda pessoa dele. Era a chave de confiança do Mestre. Ele ensinou a ela e ela aprendeu. Ela fazia uma chamada, de chamar e vir mesmo. Ele ensinou os pontos para ela. Ele tomava conta dos homens e ela das mulheres.
O milagre que ocorreu comigo foi em 1952. Eu cortava seringa. Um dia, caiu uma casca na minha vista. Passei seis dias sem dormir e comendo muito pouco. O olho começou a espoucar, foi logo ficando branco. Fui para a casa da mamãe. Era véspera de ano. O Mestre passou por lá com o Zé das Neves e eu lhe mostrei a vista.
- Olha, Chico, isso aí está ruim. Só um médico pode te ajudar. Eu não tenho ferramenta para isso.
- Seu Irineu, se eu tiver que perder o olho é com o senhor. Se eu tiver que ficar bom, é com o senhor.
- Tá bem. Segunda-feira você aparece lá em casa.
Nessa noite eu dormi, sem remédio, sem nada. Segunda-feira fui lá. Ele estava no roçado e pediu à mulher para me dar um copo de Daime. Eu tomei e fui para casa. No dia seguinte, voltei lá.
- Seu Irineu, recebi um hino, mas não achei futuro não.
- Quarta- feira, vou abrir um trabalho para você.
Ele me deu um copo cheio, mas não senti nada.
- Que tal, seu Francisco?
- Nada, seu Irineu.
- Pois eu mirei. Mirei o seu remédio.
Naquele tempo, chegava um doente e ele geralmente atendia na quarta-feira. O doente tomava um copo que ele tinha, assim grande. No meio do trabalho, ia buscar a dieta, buscar o remédio. Todo mundo concentrado. Quando terminava, ele dizia: "O remédio do senhor é tal e tal". Se fosse Daime era Daime, se não, ele falava.
- Você tem mel de abelha em casa?
- Não senhor.
- Pois aqui tem! Raimunda, vai lá e traz aquele vidrinho com mel de abelha. Você molha no algodão e pega um pedacinho de morim e bote dentro bem limpinho. Pinga no seu olho.
Assim fui curado. Não tenho nenhum defeito.
Eu tinha boa vontade. Eu ia para a mata procurar jagube e foi ele quem me ensinou. Devido a essa minha boa disposição, um dia, de tarde, ele me chamou:
- Chico, você vai ser um general da Rainha. Por que eu vou te dar esse cargo? Porque você chega aqui e diz: "Padrinho, encontrei um jagube, encontrei um folhal". Então, eu vou lhe dar essa patente. Se não bromar, estou lhe preparando para quando eu sair daqui lhe deixar no meu lugar. Chico, a Rainha me entregou o mundo. Quem quiser comigo, é comigo. Quem não quiser, é comigo. O tanto que eu mando em cima da terra, do mesmo jeito eu mando dentro do oceano.
Aos quinze anos, o Mestre pensava em se casar. Ele tinha uma pretendente. Era sua prima. Aí a mãe dele chamou a atenção dele: “Olha, você está querendo casar, namorando a sua prima, mas deixa isso de mão, porque você é moço e ela nem moça é, o povo já fala dela.” “Mamãe, se ela for moça eu caso com ela, se não for, eu não caso.” E contou a história para o tio, a quem ele tinha muita obediência. Eles estavam no roçado trabalhando, quando seu tio perguntou: “Raimundo, você tá com vontade de casar?” “Tô meu tio.” “É bom, porque se casa cedo, tem logo família. Sabe, Raimundo, o homem para se casar deve primeiro dar uma volta no mundo. Quando volta, já sabe quanto custa um quilo de sal, quanto custa um quilo de açúcar. Aí, já dá para o homem casar.”
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